Capítulo 5


- A questão neste momento, é que seu filho agiu incorretamente e até de modo covarde, tentando ferir uma pessoa sem condições de se defender - Joel falou sentado em uma cadeira ao meu lado.
Após me trocar e tomar um banho, Joel me levou até uma sala de reunião no castelo, deixando-me participar do que seria discutido com os Azarir. Marcus estivera certo, eles teriam problemas com a Guarda Real.
- O que sugere que façamos? - Perguntou o chefe dos Azarir, pai de Samuel.
- Samuel terá uma punição, que será definida pelo próprio rei - respondeu Joel de modo firme.
- Ele não pode ser punido pelo rei apenas por se vingar do soco que esta menina deu nele! - Rebateu a mãe de Samuel.
Eles eram de acordo com o que eu imaginava, cabelos claros e sedosos, olhos azuis, ar de superioridade pela quantidade de riquezas pertencentes a eles, porém, nem o dinheiro pode comprar a justiça. Não com os membros da guarda real.
- Mas é claro que pode, Samuel atacou Rosemary sem que ela tivesse chances de se defender, inclusive, não foi sozinho.
- Ele e mais três - ressaltei. Os Azarir me olharam irritados.
- Quatro pessoas contra um, uma tremenda covardia - concordou o rei, ousei olhar para ele, sua expressão era uma parede de pedra bruta, nada transpassava por seu rosto -, bom, já que ele a atacou com três dos seus amigos, o justo seria Samuel ser jogado em uma arena para lutar contra quatro pessoas.
A expressão do chefe dos Azarir era puro horror, sabendo que seu filho não seria páreo contra quatro oponentes.
- Joel, quero que mande uma convocação para os Infeor, peça para que mandem quatro dos seus filhos - a senhorita Azarir se levantou batendo as mãos na mesa.
Os soldados ao redor da mesa levaram suas mãos ao cabo das espadas, Joel apenas a encarou. Meu coração estava batendo forte, eu nunca havia participado de uma reunião como aquela. Olhei para o rei, ele manteve sua expressão firme.
- Você está exagerando! Os Infeor o destruirão e não vou mandar meu filho para uma arena com quatro deles! - Gritou a moça.
- Samuel destruiria Rosemary se Marcus Infeor não aparecesse - o rei manteve sua voz calma, mas ao mesmo tempo autoritária.
Se o rei mandasse Samuel para uma arena com os quatro irmãos de Marcus, provavelmente ele perderia bons aliados, embora não parecesse que estava preocupado com essa possibilidade.
O rei não podia fazer aquilo, os Azarir eram importantes no reino, sempre foram, e a aliança não podia acabar daquela forma, não por minha causa.
- Peço permissão para falar, senhor - me referi ao rei, os olhos azuis da mãe de Samuel brilharam quando obtive confirmação -, peço que não recaia uma punição tão severa, eu comecei o conflito desferindo aquele soco nele, então...
- Negado - o rei me interrompeu e meu coração deu um salto -, sei exatamente o que irá dizer em seguida, Rosemary Rigdor.
Droga, droga, droga.
- Em minha percepção, você e Samuel não estão quites, afinal, ele te atacou acompanhado, e você não está em condições de se defender - ele me olhou -, então, dou-lhes uma segunda opção.
- Qualquer coisa, menos aquilo - pediu a mulher.
- Assim que Rosemary estiver em condições de combate, ela e Samuel vão lutar para resolver esse impasse.
A mulher olhou para seu marido.
- Callias, querido, aceite a oferta - implorou -, não vai deixar que nosso filho entre em uma arena com quatro Infeor, vai?
- Diana - respondeu ele em tom de aviso.
Callias encarou o rei, talvez pensando na resposta que daria, algo que não afundaria Samuel.
- Eu aceito a condição... - respondeu por fim.
Diana suspirou aliviada e voltou a se sentar. Fiquei me perguntando o motivo dos Infeor não terem participado da reunião, pois os Rosário e Bellarim estavam cada um em suas respectivas cadeiras.
Ameerah, mãe de Edward, levou um dedo a boca e o chupou, para tirar um pouco do doce de uma cereja. Seus olhos âmbar percorreram a mesa toda.
- Tenho objeções a fazer - ela se levantou. Seu vestido roxo balançou com os movimentos -, Samuel deverá entrar no duelo sem armamento, mas Rosemary deve obter - Diana se preparou para rebater, mas Hadrian Rosário, ergueu a mão para a moça de cabelos loiros -, o filho deles tem o dobro da força de Rosemary, como querem que a garota lute com ele, estando armado?
- Concordo - Isair Bellarim falou de braços cruzados. Ele tinha cabelos alaranjados e olhos acinzentados, sua esposa Catarina, estava ao seu lado.
- Isso seria desigual - murmurou Callias.
- O que seu filho fez a esta garota foi bem desigual - rebateu Hadrian em tom de desafio.
- Cuidado como fala, Hadrian.
- Ou o que?
Callias se levantou e olhou nos olhos de Hadrian. Senti o ar tremer, como se os dois fossem poderosos o suficiente para destruir um reino inteiro.
Diana entrou na frente do marido, assim como Ameerah.
- Não viemos para brigar, viemos para resolver um problema - Ameerah encarou Diana -, só aceitem a condição para acabar com isso.
Callias apenas balançou a cabeça positivamente, terminando finalmente com aquela reunião desnecessária.

***

Joel e eu estávamos observando o céu em cima do castelo. As estrelas preenchiam o espaço negro com sua graciosidade, criando uma paisagem agradável aos olhos.
- Eu sei que você sentiu aquele peso no ar quando Hadrian e Callias quase se enfrentaram - falou Joel, quebrando o silêncio.
- O que foi aquilo?
- Lendas antigas, dizem que cada família obteve uma benção divina, assim, sugerem que os líderes dessas famílias, são meio deuses.
- E é verdade?
- Eu não sei, nunca vi algum deles conjurar nenhum poder - ele riu.
Fiquei pensativa. A sensação fora muito aparente, e se as lendas fossem reais? Os líderes de cada família teriam realmente poderes divinos dados pelos deuses?
- Não fique tão séria, são apenas lendas Rose.
- E se não for apenas lendas? - Senti que revelei demais, mas talvez fosse hora de contar.
- Do que está falando?
- Não sei ao certo...
- O que houve?
- Quando... eu dei aquele soco no Samuel - olhei para a palma da minha mão -, senti uma força diferente percorrer pelo meu corpo, como se elevasse minhas habilidades, foi semelhante à.... raios, como se meu corpo estivesse cheio de raios.
Joel me observou confuso.
- Como assim?
- Não sei! Só senti...
Ele balançou a cabeça um pouco.
- Vou pesquisar na biblioteca sobre isso, pode ser que essa sensação tenha sido por conta da adrenalina.
Me surpreendi, Joel pareceu aceitar tranquilamente o que eu dissera, mas... o quanto ele acreditou? E se pensasse que acabei louca?
- Os Bellarim são bonitos... - falei mudando de assunto. Fui sincera quanto a isso -, diferentes, eu nunca havia visto nenhum deles.
- Ah, eles ficam intocados naquela mansão, acredite, eu os vejo apenas nas reuniões.
- Eles parecem ser boas pessoas.
- E são, apenas muito ocupados. Os Bellarim são responsáveis pelo comércio com reinos vizinhos, compramos deles e eles compram de nós.
- E os Azarir?
- Cuidam da parte financeira do reino, são gestores de natureza.
- Rosário?
- Estrategistas natos, nem sei como Hadrian conseguiu comparecer à reunião hoje.
- O que meus pais faziam?
- Os Rigdor, conselheiros do rei.
- Quem permitiu que eu participasse da reunião? - Perguntei curiosa.
- Nosso rei. Ele disse que seria bom alguém representar os Rigdor na reunião, e ninguém melhor que a herdeira de tudo que eles tinham.
- E você?
- Oras, isso é bem óbvio, sou representante da Guarda Real, não chefe, mas o que está abaixo do rei apenas.
- Tipo um comandante?
- Tipo um comandante - concordou ele sorrindo.
Joel fora sempre a única figura paterna desde que cheguei em Millandus, o único em quem confiaria de contar qualquer segredo.

No dia seguinte, Amanda veio e me levou até a cachoeira, uma vez que as atividades na escola estavam paradas por conta do problema com Samuel. Edward e Marcus esperavam próximos ao lago.
Os dois pareciam interessados em qual quer que fosse a informação que achavam que eu teria, mas quando falei sobre a reunião, eles ficaram desapontados. Não citei sobre o quase conflito entre o pai de Edward e o de Samuel.
Amanda continuou cuidando de mim por sete semanas seguidas, faltando apenas um mês para as provas finais e apenas cinco dias para a festa de aniversário do rei.
Fiquei me perguntando se Amanda teria tempo suficiente para estudar e conseguir tirar a nota necessária para o que quer que fosse seu sonho.

Eu passeava pelo pátio, ainda arrastando a perna um pouco. Andar passou a ser uma tarefa mediana depois de sete semanas intocada na casa de Joel, e esperava visitar minha residência.
Todos os alunos estavam em aulas, e enquanto caminhava pelo pátio, notei que Amanda estava sozinha próxima há um salgueiro alto, observando os pássaros nos galhos.
Me aproximei devagar para não a assustar e fiquei ao seu lado, vendo o interessante movimento dos passarinhos. Eles andavam por cima do galho até o fim, apanhava uma folha com seu bico e moldava para fazer seu ninho.
- A fêmea está prestes a botar seus ovos - disse Amanda.
- Então é uma fêmea? - Perguntei.
- Sim - ela me olhou.
- O que está fazendo sozinha aqui?
- Eu precisava de um ar, as ofensivas estão cansativas.
Ofensivas, nome dado ao período em que o aprendizado se torna acelerado o suficiente para que os alunos consigam tirar notas boas na prova final, ou teriam que procurar outras coisas para se manter.
Para mim, as ofensivas não eram necessárias, já que meu tempo na casa de Joel fora convertido a estudar quase o dia todo, ou acabaria morrendo de tédio.
- Está preocupada? - Amanda pareceu surpresa com minha pergunta -, com as provas finais - completei.
- Um pouco...
- Já sabe o que irá fazer?
- Eu queria apenas cuidar de jardins.
- Mas isso não exige que você faça uma prova e tire nota máxima.
- Irei fazer a prova, mas não sei o que vou escolher para meu futuro.
- Você pode... ser estrategista.
- Não acho que me daria bem em uma unidade militar. Meus pais querem que eu me torne uma santificada.
Meu sangue ferveu. As mulheres transformadas em santificadas, eram privadas de suas vidas particulares, vaidade ou qualquer coisa que deixasse transparecer sua beleza ou feminilidade. Forçando-as a servir os bispos o tempo todo.
- Não acho que você queira ser uma santificada - falei -, talvez só quer uma vida tranquila, rodeada de flores..., mas isso não te dará dinheiro Amanda.
- Eu posso abrir uma floricultura - me surpreendi. Como não pensei nisso?
- Oh! Sim é verdade - corei -, se esse é o seu sonho, vá em frente.
- Se eu tirar uma nota agradável na prova, o rei irá me dar o dinheiro que preciso para minha floricultura, já que eu não escolherei nenhuma carreira militar ou política.
- Isso é ótimo!
- Seria sim... caso meus pais concordassem.
Não pode ser, eles não seriam capazes de...
- Meus pais querem me forçar a ser uma santificada, e disseram que vão me colocar para fora de casa se eu não me entregar às deusas.
- Isso é loucura!
- Eu sei...
Coloquei as mãos nos ombros de Amanda e a abracei. Senti ela passando os braços ao redor de minhas costas e me apertando com força.
- Seus pais não irão te obrigar a ser uma santificada, eu prometo.
- Não faça promessas que não pode cumprir - respondeu ela, já com voz chorosa.
- Mas essa eu posso cumprir... - murmurei.
Eu deveria pensar rápido no que fazer para impedir que os pais de Amanda a transformassem em uma santificada. Marcus não saberia o que fazer, mas Edward com certeza teria algo útil em sua brilhante mente.

Depois da aula eu procurei por Edward, mas Marcus me disse que provavelmente ele estaria estudando pesado para as provas finais, significando que não teria como falar com ele.
Eu precisava pensar, e logo, mas com a festa de aniversário do rei chegando, a única coisa que eu deveria me concentrar, era na diversão daquele evento, tirando a parte chata. Que se resumia em uma sequência de discursos para o rei.
Assim que abri a porta da minha casa, vi a bagunça. Vidro para todo lado, manchas de sangue, móveis movidos. Revivi o ataque apenas olhando o estrago. Notei que estava sendo vigiada por soldados da Guarda Real, provavelmente a mando de Joel.
Ele mais uma vez tivera que voltar aos muros, investigar uma possível tentativa de ataque dos pesadelos. Como a guarda real ainda não havia acabado com eles?
Ouvi muitas histórias sobre o líder deles, todas não muito animadoras. Afinal, o que esperar de alguém que comanda um grupo de rebeldes cruéis e assassinos?
Fechei a porta e comecei a limpar tudo. Peguei vidro por vidro e precisei de muita água com sabão para conseguir retirar o sangue dos arredores da minha cozinha. O corpo havia sido retirado.
Depois que terminei, tomei um banho quente, apalpando o ferimento na minha perna. Ainda doía, não tanto quanto antes, mas me impedia de andar direito.
Me peguei pensando no duelo que eu teria em breve contra Samuel, eu não sabia se conseguiria vencer, afinal, o garoto tinha duas vezes a minha força.
Eu precisaria de muita estratégia para sequer chegar perto dele, mas teria muito tempo para pensar nisso, afinal, o rei fora muito claro naquela reunião. Quando Rosemary estiver em condições de lutar.
Eu ainda não estava em condições de combate, então, o duelo esperaria mais um pouco até ser realizado. Nunca fiquei tão feliz por estar machucada.

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