Capítulo 48


      — Estou realmente muito surpreso em te ver viva, seu corpo estava bem degradado quando o descartei no mar, ainda me lembro do sangue escorrendo por tudo qualquer buraco — disse Edward em um tom sarcástico —, achou mesmo que não iríamos descobrir que está viva?
      — Edward, você não é assim, pense bem antes de tomar qualquer decisão que possa acabar com sua vida — apesar de estar assustada, minha voz soava calma —, não vale a pena estragar seu futuro para lutar por alguém que não está nem aí para você.
       — E o que quer que eu faça? Me alie a você e te sirva como um cachorrinho adestrado?
       — Quem disse que é isso que eu quero? Nunca quis!
       — Será mesmo? Tem mais de vinte mil pessoas desse lado que adora você como uma deusa, e não venha me dizer que não gosta disso.
       — É isso que você pensa de mim? Que eu gosto de ser adorada? Edward, eu nunca quis tudo isso, nem essa profecia, nem esse povo me adorando.
       — Ah mas eu quero, quero o povo adorando a mim, quero uma profecia que envolva meu nome.
       — Não, você não quer, essa profecia tirou muita coisa de mim, não queira algo assim. Joel morreu por causa dessa profecia, para que eu ficasse viva e cumprisse com ela.
       Edward pareceu abalado com a notícia de que Joel havia morrido, mas passou logo, ele retirou uma espada da bainha e a apontou para mim. Eu nunca o vira daquele jeito, e talvez fosse sua verdadeira face.
       — Pense bem no que quer fazer, pense na nossa amizade — recuei mais alguns passos.
       — Eu nunca fui seu amigo, só queria informações sobre seu passado e as terras da sua família — retrucou ele.
       Suas palavras pareciam milhares de agulhas perfurando meu coração pouco a pouco, doíam mais que qualquer facada que eu pudesse levar. Não havia mais Edward no rapaz a minha frente, ele estava perdido em mentiras plantadas pelo imperador.
       — Eu sempre quis a glória que você tinha, uma Rigdor, todo mundo te adorava e eu, um simples Rosário estrategista, indiferente para o povo, mas isso vai acabar quando eu levar sua cabeça para o imperador e dar um fim a essa maldita adoração a você.
       Edward estava cego, e era muito triste vê-lo daquela maneira, nunca pensei que ele sentisse inveja de mim, quando na verdade era o contrário. Nada que eu dissesse iria mudá-lo, só havia uma alternativa e era combatê-lo e pará-lo.
        — Você pode tentar, Edward — girei a Cadaadis nas mãos e assumi uma posição ofensiva —, vou parar você e provar que esse pensamento de quer glória é ridículo!
       Ele avançou contra mim com graciosidade, bloqueei e fintei, mas não acertei. Edward era um Rosário, estratégia em batalha sempre fora seu forte, vencer uma luta contra ele seria difícil, ainda mais eu, sem muita massa muscular. Seus ataques eram coordenados e executados seguidamente, tornando impossível o meu contra ataque.
        A lâmina da Cadaadis emitia faíscas cada vez que se chocava contra a espada de Edward, meu plano era desarmá-lo, mas seria extremamente difícil, uma vez que prever meus movimentos era algo fácil para o Rosário. Além disso, tinha o peso de estar lutando contra uma pessoa que eu pensava ser meu amigo.
       Embora ele e sua família tivesse traído o rei, abrindo as portas para o imperador fazer o que quisesse, eu não queria matá-lo, apenas dar um fim naquela barbárie. Sua espada passou bem perto do meu rosto, mas desviei o curso usando a lâmina da minha adaga, recuei alguns passos e ataquei, sentindo o impacto de nossas armas novamente.
        Não adiantava usar a força, Edward era um homem, meu corpo não tinha a mesma massa muscular que ele, eu tinha que pensar em uma maneira de passar por cima daquela dificuldade e vencer primeiro com o cérebro, mesmo que fosse contra um príncipe da estratégia.
        Além do mais, decorar seu padrão de ataque era impossível, Edward sabia mais de um estilo de luta, o que dificultava muito minha situação. De repente escutei alguns estrondos ao longo da montanha, acabei pisando errado e minha defesa falhou. Senti o bico da bota do meu adversário acertar a região das minhas costelas e cambaleei.
       Esquivei de última hora e senti a menina de sua espada abrindo um corte fino na ponta do meu queixo, pegando até alguns fios do meu cabelo, que lentamente caíram no chão. Rapidamente me afastei dele e recompus minha defesa, sua posição era perfeita de longe, não havia nenhuma falha, pelo menos não uma que eu conseguisse ver.
       — Está ouvindo isso? — ele apontou para cima, indicando os estrondos —, são meus aliados, colocando abaixo todo o interior dessa montanha.
       — Se alguém se ferir, eu juro que mato você.
       Edward soltou uma risada de escárnio e avançou ainda mais rápido, me obrigando a recuar bloqueando o máximo dos seus ataques. Só havia uma coisa que passava em minha mente, onde estava Amanda e Uriah, se estavam seguros, se Marcus fora tirado da montanha.
       Me distraí e fui atingida pela espada dele, não esperei para ver o que aconteceria e recuei apressadamente. Uma linha fina de sangue molhava a manga do meu casaco e eu sentia o líquido quente escorrendo até meus dedos e pingando no chão.
       De repente a Cadaadis parecia mais pesada, talvez pelo corte em meu braço. Por mais que tentasse comunicação com Daruucad, ele não me respondia, muito menos meu poder, parecia que estavam congelados, e numa péssima hora. Respirei fundo e esperei o ataque novamente.
       E ele veio.
       Quanto mais tempo passávamos lutando, mais Edward acelerava seus ataques, e eu estava cansada de estar na defensiva, precisava fazer algo se quisesse parar o Rosário. Curvei meu corpo para a direita e rebati sua espada com a Cadaadis, ele sentiu o impacto e foi repelido, ergui a minha adaga e a vi abrir um corte que ia da sua bochecha, passando por cima do nariz e parando na sobrancelha.
       Edward se afastou e tocou seu rosto, mas o corte não pareceu afetá-lo, pois ele voltou ao combate rápido demais e eu não estava preparada para isso. Dei alguns passos para trás e acabei caindo, ergui minha mão como impulso e de repente uma rajada de fogo vivo surgiu do chão e o atingiu, arremessando-o contra as prateleiras.
        Me levantei com dificuldade e comecei a caminhar na direção da porta, porém, Edward arremessou sua espada na fechadura, impedindo a possibilidade de eu sair da biblioteca. Virei em sua direção, ele saiu do meio das prateleiras quebradas e tirou a capa do seu manto que estava em chamas, haviam duas espadas de uma mão em cada lado de sua cintura.
       Ele tirou as duas espadas e se posicionou ofensivamente, por baixo do manto ele vestia uma simples camiseta preta e calças da mesma cor, o padrão de cores usado pelo imperador. Ergui a Cadaadis e avançamos ao mesmo tempo.
       Não queria mais estar na defensiva, então passei a lutar de igual para igual. Nossas lâminas espalhavam faíscas por todos os lados conforme batalhávamos, havia ódio em seus olhos e eu sabia que aquele não era o mesmo Edward que conhecera.
       Ele atacou com as duas espadas, girou o corpo e tentou acertar meu rosto com um chute, mas esquivei e devolvi o golpe, acertando seu estômago. Edward foi afastado um pouco e vi a oportunidade de correr para sair daquele espaço limitado.
      Quando cheguei na porta e tentei puxar a espada da maçaneta, fui agarrada pelos cabelos e tirada de perto da porta. Edward acertou um soco em meu rosto que fez minha cabeça chacoalhar por dentro, em seguida senti seu punho contra meu estômago e caí de joelhos.
       A última coisa que vi com clareza foi o bico da sua bota acertando meu rosto novamente, caí para trás e tudo ficou borrado. Eu podia ouvir minha respiração e os batimentos acelerados do meu coração. Ouvi os passos de Edward atrás de mim, escutei quando ele pegou suas espadas do chão e voltou a caminhar na minha direção.
       No último minuto girei meu corpo, as lâminas dele faiscaram quando acertaram o chão. Devagar me levantei e limpei um pouco de sangue do canto da minha boca. Procurei pela Cadaadis e a vi um pouco longe de mim, ergui meus punhos e corri na direção de Edward.
       Esquivei dos dois golpes dele, e soquei seu rosto seguidamente, desviei novamente e acertei outro soco, colocando-o do lado oposto de mim. Corri até a Cadaadis e a peguei rapidamente, girando a tempo de bloquear o ataque dele. Ele cruzou suas espadas e as forçou contra minha adaga, forçando-me a ficar com o joelho no chão.
       Mesmo que conseguisse segurar, uma hora meu corpo cederia e eu não aguentaria continuar naquela batalha de força. O rosto dele estava manchado com o sangue que escorria do corte, mas de resto estava intacto. Edward girou seu corpo e forçou-me a abaixar mais, segurou minha cabeça e a bateu duas vezes no chão, na terceira meu sangue manchou o piso.
       Forcei minhas palmas contra o chão e evitei uma quarta batida, dei uma cotovelada em seu rosto e o tirei de cima de mim. Edward recuou com a mão no nariz, contendo uma fina linha de sangue que começara a escorrer.
       Meu corpo estava pesado e minha cabeça girava, quase não aguentava ficar de olhos abertos. Com muita dificuldade me coloquei de pé, sem conseguir erguer meus braços, eu estava esgotada e muito ferida. Edward limpou o sangue do nariz e correu em minha direção. Fechei os olhos e esperei o golpe.
      De repente senti uma brisa fria, e eu não estava mais na biblioteca, mas em um campo enorme de flores brancas. Sangue escorria pelos meus dedos e sujavam as pétalas de vermelho, não havia dor, porém, o cansaço permanecia.
        — Você está bem acabada hein? — minha mãe surgiu de repente.
       Meus olhos estavam tão pesados que mal conseguia mantê-los abertos. Vi o vestido cor de neve da minha mãe e seus cabelos esvoaçando com a brisa calma que vinha do horizonte.
        — Estou esgotada... — respondi —, Daruucad não me responde, e meus poderes não funcionam, talvez tenha chegado a hora de eu desistir de vez.
       — Desistir? Filha, você sabe bem que não pode desistir... tente se concentrar o suficiente e vai conseguir.
       — Já chega para mim... não tenho mais nada a perder.
       — Tem certeza? Pense bem.
      Eu não conseguia pensar em nada, por mais que não sentisse dor, no fundo havia a certeza de que todo meu corpo doía, não apenas pela luta contra Edward, mas decorrente de todos oz dias anteriores, minha alma estava cansada e não havia nada que pudesse melhorar aquilo.
       — Você nasceu para brilhar — a voz da minha mãe preencheu meu coração.
       Embora soubesse que ela não estava ali, ter aquela visão e todas as sensações me enchiam de esperança e, foi como se uma enorme chama tivesse sido acesa dentro de mim. Segui aquele calor, puxando um fio de nylon avermelhado até encontrar uma luz.
        Aquela luz estava no meio de uma sala completamente escura, e dela emanava uma enorme quantidade de poder, a sensação era a mesma que estar diante de um artefato sagrado. Estiquei minha mão e senti o toque quente daquela energia, eu havia sentido o poder do diadema, estava ali, diante de mim, esperando para ser absorvido. Segurei a esfera no meio daquele brilho e abri os olhos.
       Meu corpo de repente transbordou energia, senti o chão tremeluzir. Edward se aproximava em câmera lenta, e senti a oportunidade de deixar todo aquele poder escorrer para fora de mim. Fomos erguidos do chão, e um brilho avermelhado semelhante ao fogo transpassou o piso nos jogando para cima.
        Atravessamos o teto e saímos no topo da montanha, com uma explosão de aura vermelha e branca, diferente de tudo que eu já havia visto. Fui jogada muito alto, e conforme caía vi Edward se chocando contra a pedra do topo da montanha. Meu corpo fez o mesmo, senti pelo menos quatro costelas se partindo quando bati contra o chão.
       Estava nevando, mas o céu estava tomado de fumaça negra. Havia um som persistente de batalha, gritos de guerra, tilintar de espadas e estrondos de vez em quando. Tentei erguer minha cabeça, mas estava travada, controlei minha respiração e busquei uma centelha do meu poder para curar alguns dos meus ferimentos, mas estava fraca demais.
       Edward se levantou devagar, sua expressão era de dor, mas ele parecia muito mais conservado que eu.
        — Cheia de truques... —, murmurou ele —, quero ver o que fará agora.
       Mesmo com dor, eu me levantei e ergui meus punhos mais uma vez, embora não estivesse com firmeza no corpo, permaneci de pé.
        — Vou derrotar você, com ou sem poder — respondi baixinho.
       


      

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