Capítulo 43


       As roupas das santificadas eram realmente insuportáveis, além de serem quentes como inferno, eu tinha que manter minhas mãos juntas, que já estavam úmidas de suor, nem em Rubria foi tão ruim como usar essa coisa.
        Se eu não tivesse treinado bastante para andar da maneira correta, com toda certeza tropeçaria neste manto comprido. A única coisa que não me incomodava era o peso da minha adaga na cintura, talvez eu dê um nome a ela.
        Ao redor de mim haviam mais seis santificadas, duas do lado direito, duas do esquerdo, uma atrás e uma na frente. Andávamos em grupo, eu estava no meio, um ponto estratégico para não darem minha falta quando desaparecesse.
        Assim que eu entrasse, seria necessário contar o tempo. Dentro do meu manto havia um relógio de sol, que seria usado para consultar as horas.
       Para minha sorte, o dia estava ensolarado. Atravessamos o pátio central em direção a porta do castelo, eu sentia os olhares dos guardas em todo canto, marcando cada movimento que fazíamos.
        A sensação era diferente, como se aquele castelo não fosse em Millandus, embora tivesse a peculiar combinação de branco e azul. As portas se abriram e rumamos para dentro.
        O interior estava mais fresco, estranhamente fresco. Suspirei baixinho e continuei andando em frente, os guardas não estavam mais nos vigiando, e era hora de começar a marcar a posição dos guardas internos.
         Seguimos por um curto corredor e saímos na área interna, coberta por placas de vidro. As portas de entrada ficavam no fim do pátio, mas não era importante decorar aquele caminho.
         As portas se abriram e entramos no salão do trono. Meu corpo se arrepiou em alerta quando meus olhos encontraram o imperador assentado nele. Ele estava de pernas cruzadas e sua cabeça pendia para o lado, sustentada pela mão.
         Fitei o olho totalmente branco dele, que nos observava com atenção. O salão estava vazio, apenas ele e nós, como se não precisasse de proteção alguma.
         Meus olhos correram por todo o salão, procurando algum sinal de armadilha, mas não havia nada, apenas o imperador. Observei a passagem atrás do trono, que levava ao corredor da minha visão.
        — Sejam bem-vindas — ele abriu um sorriso — imagino que tenham vindo discutir os termos do nosso trato.
        Aquela voz me fazia lembrar muitas coisas, dentre elas, o poder causando dor em mim. Era ruim manter uma posição naquele momento, pois por minha vontade eu já estaria atacando ele.
        — Sim, viemos — disse a líder das santificadas —, espero que possamos entrar em um acordo dessa vez.
       — Claro, mas primeiro quero uma companhia, pode ser aquela moça ali do meio.
        Meu coração saltou, era impossível que alguém pudesse me ver daquela posição. Elas abriram espaço para mim e caminhei na direção dele.
        O imperador deu dois tapinhas no colo dele e eu sentei. Ele repousou sua mão na minha perna e olhou para as santificadas que olhavam para nós. Eu me esforçava o máximo para não ficar com a respiração irregular.
        — Você é nova, tem cheiro de moça jovem — ele disse para mim — e um corpo mais definido.
        Ele subiu sua mão pela minha coxa, enquanto eu tentava manter a calma. A barra do manto começou a subir, e pensei apenas na adaga em meu cinto. 
        — Imperador? — interrompeu a líder e agradeci aos céus —, devo lembrar o senhor que nossas moças são puras, e consideramos nossos corpos santos, seus toques estão violando a conduta.
        — Eu sei disso — sua mão deixou minha perna —, eu quero ver você deitada na minha cama — sussurrou ele em meu ouvido.
        Saí do colo dele e voltei para o meio das santificadas, segurando o ódio e a vontade de mostrar a ele a lâmina da minha adaga. Me controlei e foquei no que deveria fazer.
        — Bom, vamos aos negócios — o imperador se levantou e seguiu passagem adentro.
        — Está tudo bem, irmã? — perguntou outra santificada jovem. 
        — Estou — mantive um tom de voz ameno.
        Seguimos para a passagem atrás do trono e foi a chance que eu precisava para procurar pela rainha e marcar os soldados. Caminhei para o lado oposto, na direção de uma escada em caracol que dava acesso ao andar superior.
        Deixei de lado o fingimento e andei apressadamente até finalmente entender onde estavam os guardas. O corredor que levava ao quarto principal estava lotado de homens. 
        Com meus olhos contei trinta soldados, era impossível avançar. Me virei para descer a escada e paralisei ao ver uma mulher olhando para mim.
         Estava magra, tinha olhos castanhos e cabelos escuros, seu semblante era triste, mas não tinha como não reconhecer o tom das iris. Levei minha mão a boca e meus olhos se encheram de lágrimas.
        — Rainha?... — sussurrei e ela ergueu a cabeça em minha direção, obtive apenas um lampejo do brilho que costumava ter em seus olhos.
        Segurei seu braço e desci escada abaixo, caminhei com ela pelo corredor até e entrei na sala dos arquivos e mapas. Fechei a porta devagar e a coloquei sentada.
        — Rose? O que está fazendo aqui?  — perguntou ela, com uma voz chorosa.
        — Rainha, você recebeu a mensagem dos meus espiões?
        — Aqueles rapazes? Foram presos... — a rainha fitava o nada como se não estivesse ali, mas ao mesmo tempo estava.
        — Olha, vim aqui para te dizer que vou tirar todos daqui, fique atenta.
        — Mas como?
        — Confie em mim.
        — Aquele maldito Imperador mudou o castelo, trocou o trono de lugar como se pesasse uma simples pena.
         — Não se preocupe, tudo vai se concertar, apenas espere mais um dia.
        Toquei em seu ombro, usando meus poderes de cura novamente, em seguida a abracei e saí da sala rapidamente. Não havia como explorar o resto do castelo, a entrada das masmorras ficavam no andar superior, que estava infestado de soldados.
        Fechei os olhos e me lembrei das entradas e passagens secretas, havia uma que daria na segunda torre do castelo. Percorri o corredor apalpando as paredes, até sentir uma diferença no papel de parede. Olhei para os dois lados e apertei o botão escondido.
        Uma porta se abriu e entrei rapidamente, ouvindo-a se fechar atrás de mim. Comecei a correr para chegar mais rápido e subi alguns lances de escada. A passagem estava escura, mas eu sabia para onde ir.
        Continuei subindo até encontrar uma alavanca, eu a segurei e acionei o mecanismo para baixo. A passagem se abriu e saí detrás de um quadro antigo em uma sala cheia de mapas traçados com estratégias de guerra.
         Peguei o que parecia mais recente e escondi sob o manto. Corri para fora e por sorte não havia guarda nenhum naquele corredor, então continuei avançando até onde dava.
         Verifiquei todas as portas e quando ia dobrar a direita, vi uma enorme porta de ferro, com feicho de manivela. Estava fortemente protegida, e deduzi que ali era a entrada para as masmorras.
          Eram quatro homens, o que significava que havia troca de turnos. Perfeito. Pensei e voltei pelo caminho, seguindo um escadas até o topo da torre. Usei o sol para ver que horas eram e quase cuspi o coração para fora.
         Faltavam apenas quinze minutos para as santificadas saírem do castelo. Guardei o relógio e disparei escada abaixo, não dava tempo de ver mais nada, eu precisava sair dali rapidamente.
         Voltei correndo pelo corredor até a sala com os planos de guerra e entrei na passagem atrás do quadro, disparei rapidamente pelo corredor escuro e quando cheguei na porta ouvi passos.
         Contei até três e abri a passagem no momento exato que a última santificada virou de costas. Me juntei a elas depois de fechar a passagem e assumi o padrão de passos. Senti os olhos do imperador em mim quando passei, mas mantive a cabeça baixa.
         Quando finalmente saímos do castelo, eu me afastei do grupo entrando nos becos escuros até a casa de Amanda. Não via a hora de tirar aquele manto exageradamente comprido e quente.


— Estou dizendo, é impossível chegar às masmorras pelo caminho principal, temos que usar um alternativo — retruquei com Amanda pela quinta vez.
       — Não faz sentido ele colocar todos os guardas lá! Qual seria o motivo?
       — Acredite, idiota o imperador não é, tem alguma coisa naquele corredor que ele quer guardar a todo custo, agora o que é eu nunca saberei.
       — Temos que arranjar um jeito de verificar, pode ser algo importante Rose.
       — Essa coisa importante é muito arriscada, como faremos os guardas saírem de lá?
       Amanda me encarou pensativa, mas desistiu e sentou. Eu não queria tirar a razão dela, mas era impossível entrar naquele corredor, imaginei o caos que seria.
       Ela verificou a carga de pólvora perto dos limtes da cidade, precisaríamos fazer a explosão parecer ter sido causada por rebeldes, era o nosso trunfo. Os soldados ficariam ocupados procurando os culpados pela explosão.
        Daruucad ouvia tudo, eu conseguia sentir sua presença bem próxima de mim. Ele sabia o que deveria saber, explicara no dia anterior. O dragão agiria sorrateiramente.
       Após discutir com Amanda, eu comecei a estudar sobre a conexão entre um dragão e sua mestra. O que queria saber era se havia um jeito de os dragões passarem o que estão vendo para seus donos. Se fosse possível, Daruucad seria meus olhos no céu.
        Ele não se pronunciou sobre isso, mesmo sabendo minha duvida. Imaginei se fosse algo doloroso ou que retirasse muita energia do dragão. Passei o resto da tarde fincada nos livros, folheando, lendo, folheando de novo.
       Parecia que eu não conseguiria encontrar a resposta para minha pergunta. Se Daruucad pudesse ser meus olhos no céu, eu deveria saber disso, seria de grande ajuda.
        Amanda não falou comigo pelo resto do dia, tivemos uma discussão mais cedo. Ela queria que eu atacasse o castelo durante o dia, mas discordei, dizendo que a noite seria mais segura, além disso, iniciar uma batalha não era minha intenção.
        Depois de muita insistência, ela aceitou o ataque noturno, mas saiu irritada para a floricultura. Eu talvez deveria ter considerado sua ideia, porém, o dia era mais perigoso por muitos fatores. O imperador acordado era um exemplo.
        A noite era calma, e os soldados estariam sonolentos por volta das quatro da madrugada. Se eu não estava enganada, os soldados noturnos são substituídos a partir das seis da manhã, duas horas exatas para retirar dez pessoas daquele castelo.
        Amanda me dissera uma coisa que era verdade, eu tinha que estar pronta para matar caso fosse necessário, mesmo não estando nos planos, se precisasse era o que deveria fazer.
        Ela era muito teimosa, mas quando sabia que estava certa, e esse era o problema, Amanda quase sempre esteve certa, era uma habilidade das Crucias que estava em seu sangue.
        De repente me levantei lembrando de mãe de Amanda.
        — Precisamos tirar ela daqui!
       Vesti o manto das santificadas e saí apressadamente da casa. As roupas eram quentes, mas ajudariam a esconder meu rosto dos soldados. Daruucad parecia incomodado dentro do mundo paralelo.
        Fui até a estalagem, mas informaram que ela não morava mais lá. Procurei por toda a cidade, evitando topar com os soldados, pois eles desconfiariam do modo que estava andando.
        Restava apenas uma única casa, era bonita e tinha um jardim muito bem cuidado, reconheci na hora que aquilo era obra de Amanda. Fui até a porta e bati duas vezes.
        Ela se abriu depois de alguns minutos, a mãe de Amanda me observou surpresa e puxou meu corpo para dentro, fechando a porta rapidamente.
        — Onde estava com a cabeça?! — gritou Amanda nervosa, de perto da escada —, e se a guarda sombria descobrisse você?
        — Desculpe, me lembrei de sua mãe e tinha que falar com ela sobre nosso plano — respondi gentilmente, Amanda me encarou ainda com expressão nervosa.
        — Amanda me contou tudo, fiquei feliz quando soube que você estava de volta — disse Suzana.
        — Mamãe não quer vir conosco — Amanda cruzou os braços. Entendi o motivo da irritação dela.
        — Porque? — olhei para Suzana —, você tem que vir, não vamos deixar que fique sozinha neste inferno
        — Não posso ir, tenho um jardim para cuidar.
        — Senhorita Suzana, quero que nos espere no cemitério amanhã às seis da manhã, isso não está aberto à discussão, entendido? — falei segurando o braço dela —, eu não vou deixar ninguém para trás.
       Ela assentiu.
        — Ótimo.
        Olhei para Amanda e caminhei na direção da porta, dando as costas a ela. Quando toquei na maçaneta, ouvi um estrondo do lado de fora. Daruucad ficou muito inquieto, querendo sair a todo custo.
        Me deixe sair, compartilho minha visão com você. Implorou ele em minha mente. Eu o invoquei e abri a porta para libertá-lo, mas do lado de fora haviam muitos soldados.
        Arcos estavam apontados para mim, todos atentos a qualquer movimento meu. Haviam me descoberto.
         — Renda-se, assassina — disse o líder da tropa.
        Não sabem que sou Kristallrosa, acham que sou apenas uma assassina. Pensei. Ergui minhas mãos, não havia o que fazer diante de tantos homens. Malditos!

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