Capítulo 30


       As minhas risadas ecoavam pelo campo vasto com grama verdinha que tínhamos nas nossas terras. Minha mãe corria atrás de mim enquanto também ria. Estávamos brincando de pega-pega, seus cabelos claros balançavam conforme tentava me pegar.
        Dei a volta em uma árvore e minha mãe foi mais esperta, indo pelo outro lado. Voltei e continuei correndo até cansar, então, ela me pegou em seus braços e abraçou meu corpo pequeno.
        Eu continuava rindo, como uma garotinha feliz de apenas sete anos que era. Minha mãe me levou para a única árvore do campo, que ela chamava de Árvore Solitária e sentou encostada no tronco.
         Olhei para o alto, deslumbrando o céu azul com nuvens brancas, era um dia lindo e ensolarado. Ela começou a fazer uma trança em meu cabelo e eu apenas me aconcheguei no seu colo e esperei.
        — Mamãe, como é o mar? — perguntei olhando para o céu. 
        — O mar? Bom, é grande e tem muita água, mas não dá para beber porque é salgada. Tem peixes de diversos tipos, uns bonitos, outros assustadores, em resumo, o mar é muito lindo.
        — Quando vou conhecer o mar?
        — Quando nossos problemas acabarem, aí eu levarei você para conhecer o mar.
        — Mal posso esperar! — falei com animação.
        Ela riu gentilmente e terminou a trança. Eu me virei para ela e encarei seu rosto, mamãe sempre foi linda e papai disse uma vez que eu tinha o rosto dela.
        Minha mãe tocou meu nariz e sorriu. Me encostei nela e fechei os olhos para sentir novamente aquilo que eu sempre sentia. Uma sensação de eletricidade percorreu meu corpo, fraquinha, mas se prestasse atenção, conseguia sentir, era engraçado e fazia cócegas.
        — Mamãe, porque sinto um choque no meu corpo quando encosto em você? — perguntei.
        — Porque você tem uma parte de mim aí dentro, e ela se agita quando sente que está perto da origem.  
        — E o que é isso? 
        — Não posso dizer, coisinha curiosa, ainda não.
        Concordei, achei justo. Mamãe sempre dizia que um dia contaria o que tem dentro de mim, e eu sabia que era verdade, ela nunca mente, como na vez em que disse que me levaria para conhecer um lugar diferente e fomos.
         Papai disse que a mamãe é muito especial, e que eu também sou graças a ela. Queria saber porque não nasci com cabelos como os dela, eu ficaria bonita.
         Olhei para cima e vi os pássaros no tronco, cantando enquanto faziam seu ninho. Apontei para mamãe ver, ela gostava sempre de observar aqueles dois.
         — Se esses dois passarinhos moram aqui, a árvore não é mais solitária? — perguntei voltando a olhar para ela.
         — Se pensar por esse lado, você tem razão, mas ela se chama Árvore Solitária por não haver outras árvores por perto.
         — Ah entendi, então ela é solitária por não ter outras amiguinhas árvores?
         — Sim.
         Me desvencilhei do colo dela e abracei o tronco da árvore, era tão grande que não consegui abraçar direito, mas tenho certeza que a árvore sentiu.
          — Prometo nunca te deixar solitária, árvore! — disse enquanto abraçava o tronco.
         Mamãe pegou uma faca e desenhou a inicial do meu nome na árvore, depois colocou o dela que era o mesmo que o meu, olhou para mim e colocou minha mão na árvore.
          Ela fez o molde da minha mão na árvore, depois o dela e guardou a faca. Voltei para seu colo e fiquei olhando o desenho.
         — Uma marca da promessa que você fez, vai ficar na árvore para sempre — ela falou fazendo carinho na minha cabeça.
         — A árvore ficou contente?
         — Ficou, a árvore está muito contente agora.
         De repente vi algo escorrendo da árvore, um líquido alaranjado que parecia uma lágrima, observei até que chegasse perto do chão.
        — O que é isso? — perguntei apontando para o líquido.
        — A árvore está chorando de alegria.
        Toquei o líquido, era pegajoso. Mamãe levou meu dedo a minha boca e senti o gosto adoçicado, igual ao mel das nossas abelhas. Olhei para ela e sorri, a lágrima da árvore era bom.
      
Abri os olhos lentamente, ainda estava no chão frio e não tinha anoitecido. Meu corpo estava dormente, porém, conseguia sentir pontadas dispersas.
       Precisei me esforçar para respirar, tudo parecia uma enorme dificuldade, talvez por meus pulmões já estarem comprometidos. A praga era a coisa mais dolorosa que sentira em dezoito anos de vida.
         Àquela altura, eu queria apenas que tudo acabase, que minha morte chegasse de uma vez e meu sofrimento tivesse um fim. Não aguentava mais, hora após hora sentia parte da mim virando um aglomerado de carne e sangue.
          Meu estômago estava inchado, pela quantidade de sangue dentro que eu não vomitara. Voltei a derramar lágrimas, pensando no que tivera feito para merecer tudo aquilo.
         Além disso, toda vez que acabava dormindo, sonhava com minha mãe e eu pequena, como se precisasse ver alguma coisa ou saber de alguma coisa.
          Não havia nada que pudesse explicar, e por algum motivo eu não conseguia me lembrar do seu nome ou rosto quando abria os olhos. Tossi e vomitei sangue novamente, em grande quantidade.
         Já não me sentia preocupada, eu sabia exatamente o que aconteceria. Faltava pouco tempo para meus órgãos mais vitais virarem restos, mas enquanto isso, meu corpo entraria em colapso.
         Parte de mim queria dizer ao imperador onde encontrar o diadema e dar um fim ao meu sofrimento, mas a outra parte discorda, para ela seria melhor sofrer e morrer a dar o gosto de triunfo para ele.
          Aquele gosto doce de triunfo.
          Imaginei quais órgãos meus já haviam se desmanchado, rins, fígado, talvez um dos pulmões, pela dificuldade em respirar era bem provável que tivesse acontecido.
          Senti meu coração falhar uma vez, depois uma segunda e voltou ao batimento fraco. Estava acabando, tudo aquilo estava chegando finalmente ao fim.
          Fechei os olhos para ver novamente o sorriso da minha mãe e esperei. Senti o toque frio da morte começar pelas minhas pernas e subir. Me permiti chorar enquanto via os melhores momentos da minha vida passarem diante dos meus olhos.
          Meu cérebro entrou em colapso, mandando espasmos para o resto do corpo, senti minha respiração ficar falha e o oxigênio acabar. Comecei a puxar ar e não conseguia, desejei ajuda e não obtive.
           Abri os olhos desesperada, e a visão começou lentamente a escurecer dos cantos até tudo ficar escuro, senti meu sangue escorrer pelos meus ouvidos, nariz e boca uma última vez, e então, fui tomada por uma tranquilidade repentina.
          A dor desaparecera, e tudo ficou escuro, então soube que chegara ao fim, minha vida chegou ao fim, era essa a sensação de morrer, sofrimento, depois paz. Mas, no fundo era triste.
          Minha tristeza era de lembrar que nunca mais falaria com meus amigos, ou beijaria Amanda. Era triste saber que não se despediriam de mim, pois assim que o imperador visse meu corpo, provavelmente o jogaria para as bestas da terra se satisfazerem.
         Em meio a escuridão, uma luz branca brilhou e fui arremessada há um espaço vazio e apenas claro. O chão era firme e o som ao redor vinha dos ventos e árvores, mesmo que não houvesse nada ali.
         Vi uma pessoa se aproximar de mim, cabelos claros, olhos tão azuis que quase chegavam a ser transparentes, e uma expressão gentil no rosto. Meu peito se apertou, foi o que senti, afinal, não tinha mais um corpo para sentir algo.
           — Mamãe... — murmurei enquanto ela caminhava em minha direção.
        

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