Capítulo 19 - Joseph

- Ei.


- Oi.


- Onde você estava?


- Ah, eu só subi as escadas, pra ver onde ia dar.


- Tá, alguma coisa legal?


- Han... Não, e você?


- O que?


- O que está fazendo?


- Terminando esse desenho.


- Você é muito boa, está igualzinho.


- Obrigada. Queria fazer uma coisa melhor mas estou sem inspiração.


- É, que triste. Boa noite Elo.


- Boa noite. - Joseph se levanta rapidamente e bate a porta do quarto, eu não acho que ele tenha subido as escadas só pra ver o que tinha no andar de cima, não parece ser curioso, mas também não era interessante. Já era bem tarde, eu entro no quarto e vou para cama.


=


  Eu tranco a porta e percebo que não posso deixar as coisas do jeito que estão. Preciso dar um jeito de me livrar do corpo. A questão é, como vou fazer isso.


  Pela fresta na porta eu vejo que ela não está mais no corredor então aproveito para descer e tentar sair do prédio. Infelizmente havia uns cinco guardas vigiando o portão, a minha única saída seria pela janela do quarto.


  Os guardas não vasculham levante metro do prédio já que existem vários grupos de vigilantes espalhados num raio de 2.3 km do palácio, eles acham que são impenetráveis. "E eu acabei de matar um homem." Subir naquele inferno de árvore por um tempo me fez bem, não tive nenhuma dificuldade em descer pela parede. Agora, a parte difícil.


  Eu não tinha como esconder, enterrar, queimar ou me livrar do cadáver de nenhuma forma sem chamar atenção. A melhor ideia, e a única que podia funcionar, foi fazer parecer um suicídio. Coloquei a pistola à alguns centímetros da sua mão direita, suas pernas provavelmente iam ficar com ematomas por causa da queda, o que faria parecer que ele estava no topo do prédio quando efetuou o disparo, como a tendência do corpo, após o tiro, era cair para trás suas pernas iam se chocar contra o parapeito, o que ia gerar os ematomas.


  Duvido que eles fariam isso, mas por precaução, limpo o cabo da pistola com um lenço do próprio bolso de Chad pra que não corra o risco de me descobrirem.


- Agora, como é que eu vou subir por essa parede?


=


  Amanheceu mais uma vez, que ótimo.



- Bom dia Srtª. Caine.


- Ah!


  Eu pulo da cama e dou um grito enquanto as meninas me encaravam frente à porta com um sorriso.


- É um ótimo dia para caminhar Srtª. Caine.


- Bom dia.


- Preparamos seus materiais.


- Que materiais?


- Hoje começa um novo treinamento.


- A senhorita precisará desses materiais para efetuar os exercícios.


- Obrigada.


  As meninas se despedem cortês e saem do quarto. Elas separaram uma roupa para mim junto a um par de sapatos e uma mochila com itens de acampamento.


  Quando termino de me vestir vou para o corredor, que hoje está mais silencioso que o de costume, desço a escada e vou para o jardim, tinha um grupo de guardas e alguns funcionários, até Jenna estava com eles, mas não conseguia ver porquê.


- Licença. Dá licença por favor. - Eu tento passar pelo aglomerado mas não consigo. Um braço magro me puxa dentre os curiosos.


- Tem um homem morto.


- O que?


- Um homem se matou ontem, Chad.


- Nossa.


- Espera. - Joseph afasta algumas pessoas de uma forma "brutalmente educada" e eu encosto, consigo vê-lo.


- Meu Deus.


- É, ficou bem feio.


- Se ele tivesse se matado seria pior.


- Pois é. Espera, o que? Como você deduz que ele não se suicidou Caine?



- O buraco da bala.


- O que tem isso?


- Se ele tivesse se matado o tiro teria sido a queima-roupa, seria só um buraco na testa dele. Ao invés disso, tem uma cratera entre os olhos do cara, o que significa que o disparo foi efetuado à distância, não por ele mesmo.


- E como você chegou à essa conclusão?


- Eu estudei pra isso. Queria ser detetive consultora.


- Você tem jeito pra isso. Então, e se ele não se matou?


- Vamos descobrir quem matou ele.


  Uma agitação, mudança de rotina.  Agora eu tinha algo em que me envolver, já que infelizmente tinha perdido as esperanças nas minhas hipóteses sobre o governo.


=


  O problema que tinha acabado de me livrar ficou maior do que eu imaginava, a única pessoa que realmente iria descobrir o que aconteceu, não que os outros não tenham habilidade, mas a Elo conseguiria me fazer falar fácil, e sem chantagem.


=


- Então vamos, certo?


- Ok.


  Nós nos afastamos da multidão e caminhamos para a parte da frente do palácio.


- O que você foi fazer ontem à noite?


- Você acha que eu fiz aquilo? Eu pensava que ele tinha se matado, como eu poderia ter


- Joseph, você subiu lá ontem logo depois que Chad foi para o terraço. Eu só quero ter certeza que você não viu nada.


- Olha, eu não me sinto bem com isso.


- Me desculpe, mas faz parte. Você quer me ajudar, certo? Então me fala o que você fez lá em cima ontem como meu parceiro, ou eu vou precisar te ver como um suspeito.


- Eu ia fazer algo que eu não devia, mas eu não matei ele.


- O que você fez?


- Eu subi pra fumar tá. O terraço é o único local que não tem detector de fumaça, por isso que eu fui lá ontem à noite. Mas ele estava lá e... Eu só queria ficar um pouco sozinho. Fiquei esperando ele sair por uns cinco minutos mas ele não desceu, então eu voltei pro quarto.


- Eu acredito em você, mas não é proibido fumar aqui então... Por quê ficou esperando ele descer?


- Eu já fui um viciado, você sabe, eu não posso fazer isso, principalmente pelos remédios que eu tomo. Como treinador Chad tinha obrigação de saber do meu histórico, se ele visse não permitiria.


- Puff. Vamos subir.


  Já no terraço eu tento enxergar algum indício de que o que aconteceu com Chad não foi o que parece, sem sucesso.


- Não tem nada aqui, nenhum sinal de luta, nem uma marca no chão, só a da beirada de quando ele caiu...


- O que?


- Ali!


- Eu não vejo nada Elo.


- Tem uma marca como se alguém tivesse escorregado na beirada, Chad no caso, mas olha, aqui tem outra, parece que alguém apoiou o pé com muita força em cima da marca.


- Isso quer dizer...


- Chad foi empurrado, e esse é o pé do assassino. Ele não atirou da porta como nós pensavamos, Chad já estava caindo quando foi baleado.


- Nossa, isso é meio cruel... Você não acha?


- É... Nada que eu não faria.


- Então, e agora?


- Nós temos uma boa pista aqui, mas eu não sei se vai servir de alguma coisa.


- Por que?


- Vamos ser francos, você não acha que é um plano muito elaborado pra ter sido feito por qualquer um? Eu quero dizer, o tiro foi perfeito, no meio dos olhos dele. Pra ter sido efetuado à distância e em movimento! É muito impressionante pra alguém que tinha simplesmente decidido que era a hora dele. E além disso tudo, o assassino tentou fazer parecer com um suicídio. Outra coisa, como uma pessoa iria fazer isso em total silêncio? Ninguém ouviu um grito ou estalo sequer ontem à noite.


- Quem quer que tenha feito isso tem habilidade, material e é bem esperto.


- Eu sei quem tem tudo isso.


- E seria...


- Sr. Schimidt.


- Você acha que ele matou o Chad ontem?


- Ele ou alguém à mando dele, você não acha que é possível?


- Talvez. Eu quero dizer, esses guardas são muito inteligentes e bem treinados e todos acreditam que foi um suicídio,  não que eu esteja duvidando de você Elo, mas talvez seja exatamente o que parece, pode ser que não exista toda uma história por trás disso, o cara poderia estar cansado disso tudo ou com o peso de uma "quase vida" na consciência,  você sabe...


- É, parece que eu viajei demais. Desculpa, acontece.


- Ah, normal, você só tá entediada.


  Nós rimos da situação, parece que eu estou ficando louca bem rápido, é provável que ele esteja certo, isso pode ser muito mais simples do que eu imagino.


- Ficar dentro desse lugar não tá me fazendo bem.


- É...


  Joseph fica em pé atrás de mim, ele segura o meu cabelo de lado e pressiona um dos ematomas no pescoço levemente.


- Ainda tá doendo?


  Eu fico paralisada, depois de reviver toda a história com o Kyle essa semana eu entro em desespero mas não consigo me mexer. Começo à suar frio, tremer, tento falar mas as palavras não saem, eu consigo sentir ele cobrindo minha boca para eu não gritar, minhas pernas estremecem e eu caio.


- Caine!


  Não faço ideia do que aconteceu, por algum motivo sinto medo dele, medo de Joseph, ele não me fez nada mas eu não consigo controlar, ele tenta segurar a minha mão para que eu levante mas eu me arrasto para trás até encostar no parapeito, estou assustada, ofegante.


- Desculpa...


  Ele se afasta devagar, está confuso, com medo. Demoro alguns minutos mas me acalmo, em seguida me levanto e começo à procura-lo.
 
  Ele estava sentado na beirada do parapeito, tinha jogado o casaco no chão, estava fumando um cigarro que eu não consegui descobrir o sabor mas com certeza era caro. Ele estava machucado, não tinha percebido antes, tinha alguns arranhões sob a franja e dificuldade pra respirar.


- Eu fiquei assustada.


- Eu percebi. - Ele tenta esticar a coluna mas grune de dor. - Não precisa se preocupar, não vou encostar em você de novo, foi


- Não eu... Não foi você, eu me lembrei de uma coisa ruim.


- Por causa de mim. Olha eu... Eu não entendi o que foi aquilo e nem quero machucar você tá, mas te incomodou, e não vou fazer de novo.


  Naquela hora eu tento pensar em algo pra dizer, algo que eu poderia fazer pra disfarçar o que tinha acontecido, eu sou uma paranoica e criei uma situação completamente desconfortável por causa disso. Ele não tinha sequer se mexido desde a hora que eu cheguei, não tinha olhado pra mim, talvez isso o assuste de novo.
  Eu me aproximo do parapeito e ponho uma das mãos nas suas costas.


- Ainda dói?


- Dói, mas só quando eu respiro.


  Rimos um pouco, ele me manda sentar ao lado dele com um gesto.


- Eu não tenho medo de altura, nem de insetos, nenhum animal.


- Então você não tem medo de nada?


- Ah eu tenho. Medo de água. Água e dinheiro.


  Ele tira o cigarro da boca e o apoia num dos joelhos.


- Dinheiro é a coisa mais poderosa que existe no mundo. Não existe nada, sério, nada que o dinheiro não faça. Eu posso dizer isso.


- Por que?


- Ué, eu sei, sou rico. O dinheiro moldou a minha vida, me transformou numa pessoa horrível, eu fiz muita coisa só porquê podia, machuquei muita gente que entrou na minha vida e hoje, se eu quisesse, poderia fazer toda a minha fortuna dobrar vendendo os meus arrependimentos.


- Mas você não me parece uma pessoa horrível.


- Eu não sou com você, ou com o Jeffrey, são os meus amigos.


- E você não é o homem cruel que diz ser porquê somos seus amigos?


- Não, eu traí todos os meus amigos, de qualquer forma que puder imaginar, mas gosto de vocês dois de verdade, por isso me esforço com vocês, ser meu amigo não significa muita coisa, ter meu afeto muda toda história.


  Depois de ouvir isso eu sinto vontade de confiar nele, não consigo discernir o porquê mas, saber como Joseph realmente é, por pior que ele seja, me faz gostar dele, porquê ele gosta de mim.
  Eu o assisto forçar seus lábios finos e arroxeados no filtro dourado enquanto ele expira a fumaça grosseiramente entre os dentes. Antes que ele possa terminar de tragar o que ainda resta do cigarro que ele acendeu à pouco eu o pego de entre seus dedos e o tomo para mim. Ele me olha descaradamente surpreso e satisfeito enquanto eu sopro a fumaça e penso nas minhas próximas palavras.


- Você é um homem extraordinário Joseph Jackson.

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