Eu fiquei pensando sobre o jantar, mais em como Jeff tinha se comportado durante ele. Será que aquilo tinha a ver com o fazendeiro e o guarda que nós tinhamos visto?
- Eu não consigo!
Já são três da manhã e eu ainda não tinha dormido. Eu me levanto, vou para o corredor e começo a bater na porta do quarto de Jeff. Acabo esperando uns dois minutos até ele levantar e abrir a porta.
- O que tá fazendo aqui?
- Quieto. - Eu passo por debaixo do seu braço esquerdo que segurava a porta e entro no quarto. - Fecha.
Jeff empurra levemente a porta e eu me sento na cama.
- Posso saber o motivo dessa visita incoveniente e... suspeita?
- Não consigo dormir.
- Você tem o que? Seis anos?
- Eu não consigo parar de pensar naquele homem no jardim.
Ele descruza os braços e senta na minha frente.
- Nem eu. Mas então, o que tá pensando em fazer sobre?
- Eu não consigo nem ter certeza do que está acontecendo, como eu vou pensar em investigar isso agora?
- Que saco. - Jeff joga o corpo para trás e fica deitado, de braços abertos, olhando para o teto. - No que você tá pensando agora?
- Eu não sei. - Eu também me jogo para trás, as mãos fechadas sobre as pernas, respiração pesada, dúvida... - Vou acabar ficando maluca.
Jeff não quer falar, mas eu percebo por seus olhos que ele quer me perguntar o por que.
- As vezes eu consigo resolver tudo em uns cinco minutos mas agora não to encontrando forças nem pra me suportar.
Ele se senta na cama, leva a mão pelo rosto e me olha:
- Você quer ajuda?
Assinto com a cabeça e dou a minha mão para que ele me puxe e me levante.
- Minha mente está vazia... e cheia ao mesmo tempo, eu não consigo assimilar o que eu penso porque é muita coisa de uma só vez, mas ao mesmo tempo eu não enxergo nada disso. É como o universo, é confuso, estranho e...
- Incompreensível - Jeff continua - Mas é bonito. Existem pessoas que se sentem atraídas por essa graça do universo, como eu. Você não é tão complexa como ele, é muito mais, e eu estou disposto a encarar isso de cara.
Ele põe o braço em volta dos meus ombros e joga o meu cabelo para frente.
- Eu posso ser seu Stephen Hawking, o que acha?
- Eu vou aceitar a proposta. - Sorrio de cabeça baixa e ele me empurra com uma das mãos para que eu caia de novo na cama.
+ + +
Ficamos lá conversando sobre nada por uns quinze minutos. Tudo que é bom dura pouco.
- O que foi isso? - Pergunto assustada e já me levanto da cama.
Jeff se levanta indo em direção à janela e volta, agora para o corredor. Eu tento ver o que está acontecendo mas ele insiste que eu fique atrás dele colocando seu braço na minha frente.
- Vá para o seu quarto.
- Mas por quê?
- Elo, vá! Deite e finja que está dormindo, agora!
Ele abre a porta e eu vou para o quarto, alguns segundos depois guardas equipados quase como que soldados entram e vasculham o meu quarto, eles se aproximam da janela e depois vão para o corredor e fecham a porta. Eu continuo deitada esperando que mais alguma coisa aconteça, ou não, assim eu poderia me levantar.
- Ali! Rápido.
Assim que ele fala os outros guardas se retiram do quarto e fecham a porta. Ouço um barulho vindo da janela, eu me levanto para olhar, tem cinco guardas correndo atrás de um garoto ruivo, mais ou menos da minha idade, eles o alcançam e o derrubam. Ele está gritando, estão batendo nele. Eu vou para o corredor e acabo voltando já que ainda tem guardas lá. Estão espancando ele, eu começo a ouvir os urros, um dos guardas começa a bater em sua cabeça repetidas vezes com soco inglês. Mais urros, gritos, e agora o som do metal cortando a carne do rosto dele, pele e sangue caem no chão, ele ainda está vivo e os guardas não param. Estou trêmula, tento levar as mãos até o rosto, me afastar da janela, mas não consigo. Ele está, está sufocando, acabou por se afogar no próprio sangue. Os gritos param, estou chorando.
- Ele morreu.
Os guardas se levantam e o arrastam pelas pernas em direção ao muro. Eu dou alguns passos para trás, tento me acalmar mas não consigo, os gritos dele continuam soando na minha cabeça. Eu começo a gritar, estou desesperada.
- Não. Não. Não. Não! Não! Não! Aaaaah!
Jeff escuta meus gritos e corre para o meu quarto, eu estava tendo um ataque de pânico.
- Elo, Elo por favor me escute.
- Mataram ele! Mataram ele na minha frente, afogado no próprio sangue! - Eu estou gritando descontroladamente, e ainda tem guardas no corredor.
Jeff me abraça e pressiona levemente minha boca contra o seu ombro para abafar os meus gritos, eu ainda estou chorando, agora com as unhas fincadas nos braços de Jeff que me encosta na parede e, com o maior cuidado possível, se abaixa até que nós nos sentamos no chão sem que eu afaste meu rosto do seu ombro. Ele acaricia meu cabelo até que eu me acalme e pare de chorar.
- Ele está morto Jeff. - Digo ainda soluçando.
- Elo - Ele seca minhas lágrimas - Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Ele inclina o corpo sobre mim, como se estivesse tentando me guardar dentro dele, e respira o mais calmamente possível, é confortável, da pra sentir seu coração bater em meu braço, é viciante. Eu durmo.