Capítulo 17 - Flashbacks

- Elo...


  Eu abri os olhos mas não conseguia ver nada. Ainda tinha alguém chamando meu nome, era Nicholas, eu não conseguia vê-lo mas sabia que ele estava lá.


- Nic?


- Elo. Acorde.


- Nic, é você?


  No primeiro feixe de luz que atravessou os meus olhos eu salto com um impulso para frente tentando encontra-lo, mas ele não estava lá, não era ele.


- Elo. - Joseph me abraça, estava sentada em uma maca, aparentemente antes de acordar estava deitada sobre suas pernas, eis a mão gelada que tocava o meu pescoço, era ele. Nic nunca esteve lá em momento algum, ele estava falando comigo o tempo todo. Fiquei decepcionada por não estar com ele, por não saber onde ele está. - Eu fiquei preocupado.


  Joseph estava sendo muito bom comigo, o por quê eu não sei, mas não me importava, eu o abraço de volta.


- Obrigada.


- Por que?


- Por salvar a minha vida. Você conseguiu.


- Eu não estava sozinho.


- Onde o Jeff está?


- Eu não sei, ele saiu quando os médicos chegaram.


- Médicos?


  Sou interrompida por três médicos que abrem a porta da ala que eu estava, no Centro Hospitalar da Sede.


- Bom dia Eloise.


- Dia? À quanto tempo eu estava desacordada?


- Umas desoito horas. Não se preocupe, seus amigos estavam com você o tempo todo. Por falar nisso, onde está o rapaz loiro de óculos?


- Ele saiu a alguns minutos. - Diz Joseph.


- Claro. Sou o Dr. Júlio Andes. - Ele estende a mão para que eu o cumprimente. - Examinei você a algumas horas.


  Ele vira de costas e faz um sinal com a cabeça, os outros dois médicos saem e vão para o corredor.


- Meu jovem... Se importa?


  Joseph me olha um pouco desconfiado, ele não quer me deixar sozinha, mas se levanta e sai da sala, ele fica parado em frente à porta me observando pelo vidro. O Dr. Júlio se senta na minha frente.


- Eloise... Você se sente melhor?


- Meu pescoço continua doendo.


- Tem dificuldade para respirar?


- Não.


- Dor de cabeça?


- Não.


- Visão embaçada.


- Não.


  Ele anota tudo que eu disse em uma prancheta e depois a coloca de lado. Dr. Júlio se inclina para frente com as mãos fechadas e os cotovelos apoiados na perna.


- Eloise, você sofreu já algum trauma?


- Por que a pergunta?


- Sou seu médico, responsável pela sua saúde e seu bem estar agora, preciso dessa informação.


- Já.


- O que aconteceu, e quando aconteceu.


  Fico um pouco desconfiada, com medo de contar o que aconteceu para ele, mas pela primeira vez eu senti que alguém ali estava sendo sincero, então eu conto.


- Eu me submeti à um relacionamento abusivo quando tinha treze anos.


- Você foi forçada a fazer isso Eloise?


- Não.


- Por que se submeteu?


- Porque eu não tive coragem de pedir ajuda.


  Eu nunca tinha falado sobre isso com outras pessoas, mas começei a contar tudo para ele.


- Eu tinha doze anos quando meu pai foi dado como morto depois de desaparecer no mar, ele era pescador e minha mãe trabalhava em um restaurante como faz até hoje.
Quando meu pai sumiu eu comecei a trabalhar como arrumadeira em uma casa nobre num bairro afastado da cidade, a casa da família Jackson. Eles eram incríveis, o Sr. e Sra. Jackson eram muito bons comigo, eles tinham três filhos: Rebeca, de 23 anos, Kyle, de 15 e Lancy, de 6 meses.
Trabalhar lá não era exaustivo ou pesado, eles cuidavam de mim como uma filha.
Eu me tornei a melhor amiga de Kyle, eu ia na casa deles três vezes por semana e sempre dava um jeito de terminar tudo rápido para poder ficar mais tempo com ele. Kyle era muito gentil comigo, mas ele se deixou levar por um sentimento que eu não compartilhava.


- Ele se apaixonou por você, certo?


- Sim. Eu disse a ele que eu queria continuar sendo sua amiga, que eu não sentia nada por ele, e ele aceitou bem, no início. Nós já não passavamos mais tanto tempo juntos, a situação ficou estranha entre a gente depois que ele me contou aquilo.
Então um dia eu fui falar com ele, queria saber se ele estava bem, tentei conversar com ele como nós conversavamos antes.
Ele começou a chorar, me disse que me amava, que aquilo não era justo e eu não sabia o que fazer, eu só tinha treze anos, não queria nada daquilo ainda, então eu o abracei. Kyle era dois anos mais velho do que eu e tinha quase o dobro do meu tamanho. Do nada ele começou a apertar os meus pulsos.


  A cena volta à minha cabeça naquele momento, estavamos em pé no quarto dele, Kyle estava próximo demais de mim.


- Kyle, o que você está fazendo? Kyle para! Você está me machucando, me solta!


- Eloise...


- Kyle pa... - Ele me empurra contra a parede e cobre a minha boca com uma das mãos. - Kyle!


  Eu já estava chorando, mal conseguia falar.


- Ele... Eu não consegui fazer nada.


- Eloise, tudo bem, tente se acalmar. Continue quando quiser.


- Não, tudo bem, eu consigo. - Eu respiro fundo e continuo. - Depois eu fui embora, mas eu continuava voltando toda semana, as vezes eu ia em dias diferentes ou em algum momento que ele não estava em casa. Não nos falavamos mais, e muitas vezes nada acontecia, mas não quer dizer que ele parou. Eu me sentia péssima, não fazer nada me incomodava, mas ao mesmo tempo eu não tinha ideia de como mudar a situação sem falar com alguém ou pedir ajuda.


- Por que você não pediu ajuda á ninguém?


- Eu sentia vergonha. Eu não precisei fazer nada para isso acabar, mas eu evitava fazer barulho dentro da casa quando eu estava trabalhando, eu não queria que ele me visse lá.


- Quando isso acabou?


- Quando eles foram embora pra outra cidade, dois anos depois.


  Nesse momento eu desabei, não conseguia sequer erguer a cabeça.


- Eloise, não foi culpa sua. Você não sabia o que fazer e foi prejudicada por isso, mas não se culpe.


- Eu não quero mais falar sobre isso.


- Eu preciso terminar de fazer as perguntas pelo menos.


- Tudo bem então.


- Você acha que isso foi o que levou você a tentar o suicídio?


  Eu não acreditei no que tinha acabado de ouvir, ele acha que eu tentei me matar por isso.


- Eu não tentei me matar. O que aconteceu foi culpa da irresponsabilidade dos técnicos e do treinador, eu não desitiria da minha vida por algo que eu já superei.


- Já superou?


  Em alguns segundos o Dr. Júlio passou de um doutor para um homem desprezível e começou a me julgar sem direito algum.


- Não interessa.


- Eloise, eu irei recomendar um tratamento para estress pós-traumático a base de medicamentos que vai começar semana que vem e vou cuidar para que nada como o que aconteceu ontem volte a acontecer novamente. Pode sair.


  Eu me levanto e vou para o corredor, Jeff e Joseph estavam sentados me esperando. Joseph se aproxima de mim.


- Elo - Ele põe o braço sobre meus obros e limpa o meu rosto. - O que ouve?


- Nada - Eu encosto minha cabeça em seu peito e o abraço. - Vamos embora.

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