Capítulo 18 - O Exorcismo dos Cesaroni parte III


A força que o homem faz é tanta que os cintos estão arrebentando. A criança mais jovem já voltou a vomitar e a mais velha reclama de dores nas pernas. Um sinal de que acabara de quebrá-las. A mulher está se soltando aos poucos, agora é o outro braço. Dá para sentir tudo o que está acontecendo de longe. O sangue escorre pela boca da mulher e cobre o pescoço. Rita volta a pôr o crucifixo de metal em sua cabeça e a mulher se contorce como se levasse choques violentos.


- Meu Deus, estamos mesmo lidando com um demônio. Só de encostar a cruz na testa olha como ela fica – o oficial Ben afirma pálido.


Estou sem reação, encontro-me um pouco trêmula e começo a acreditar numa força maior que a ciência. Não que aquilo estivesse funcionando, mas a Plaga Insane estava respondendo de alguma forma como se existisse uma relação direta com um inominável extremamente forte. Mas ao mesmo tempo é impossível afirmar que tudo não pode passar de uma simples coincidência ou até uma nova manipulação da Igreja para ganhar credibilidade em seu fraco poder influenciador dos dias atuais. Nada pode ainda ser algo certo e não sei no que devo acreditar.


*



"Liberte-nos das ciladas do mal, Senhor.


Salpicam mais água benta em todo o local, no chão, nas paredes, nos Cesaroni, em tudo.


- Revele seu nome ou sofrerá mais! Que legião podre é? – O padre começa a aumentar o tom de voz.


Lorenzo Cesaroni consegue arrebentar os cintos que lhe prendiam os braços, sua agressividade o faz querer arrancar os cintos que prendem as pernas, mas os braços parecem um pouco incontroláveis. Rita e Francesco correm fazendo um grande esforço para segurá-lo. Eles não parecem se importar com as larvas caídas sob o corpo do homem que agora caminham sob suas batinas negras, mas Lorenzo demonstra muita força e morde o braço de Francesco, arrancando-lhe um pedaço de sua roupa e ferindo sua pele profundamente e em seguida empurra Rita, que cai no chão. Henrico aumenta o tom de voz e ergue a Bíblia perante Lorenzo, dizendo:


"E, se alguém lhes quiser fazer mal, fogo sairá da sua boca, e devorará os seus inimigos; e, se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja morto.
Estes têm poder para fechar o céu, para que não chova, nos dias da sua profecia; e têm poder sobre as águas para convertê-las em sangue, e para ferir a terra com toda a sorte de pragas, todas quantas vezes quiserem.
E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra, e os vencerá, e os matará. E jazerão os seus corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde o nosso Senhor também foi crucificado."


Lorenzo se acalma um pouco, respira fundo, mostrando seu cansaço. Descansa seus braços e levanta lentamente a cabeça em direção ao padre. Ele está chorando.


- Ajude-me, padre? Eu não aguento mais isso.


- Demônio, deixe-o falar por conta própria. Não acha melhor? Pouparia sua saliva – Padre Henrico responde com ironia.


- Padre, não estou mentindo. Não aguento mais. Ou então me mata de uma vez – Lorenzo cai na maca e começa a ter uma convulsão. Rita e Francesco tentam segurá-lo para não fazer movimentos muito bruscos, para que ele não quebre os ossos do corpo. Eles tentam prender novamente seus braços, mas encontram dificuldades. O corpo agitado e incontrolável do pobre homem faz a maca se mover centímetros do chão, com pulos frenéticos e ruidosos.


O padre grita "Quem é você, Charlie*?"


Lorenzo levanta seu tronco subitamente e agarra Rita. Ele agarra o pescoço dela com força, fazendo com que Henrico corra para ajudá-la e interrompa o ritual. Francesco também a ajuda, mas Rita está, aos poucos, morrendo asfixiada até que o branco dos seus olhos se tornam vermelhos e se voltam para cima. Seu corpo cai no chão como em queda livre e sua respiração cessa. Henrico tenta reanimá-la, mas percebe que não há mais batimentos cardíacos se movimentando em seu pulso. Francesco ainda tenta controlar o homem.


Os cintos da criança pequena são rasgados na parte de baixo, ela os puxa com as mãos agora livres. Crianças pequenas costumam ser bem flexíveis, tudo acontece muito rápido. Ela corre em direção a Francesco, e morde a perna esquerda dele. Ele grita de dor e bate com a Bíblia na cabeça da criança para que ela recuasse, mas ela age como um cão raivoso que não quer largar o seu osso. O braço dele ainda sangra e a dor incomoda. Henrico puxa a menina pelos pés, inicia-se uma luta pela sobrevivência com cobertura ao vivo. Os padres perdem o controle da situação. A mãe fez o seu último esforço, mas morreu asfixiada com o próprio sangue que saía de sua boca. O padre pegou um castiçal de algum lugar que não mostra na câmera e o lança sobre a mão da pequena menina até que ela o soltasse.


- Solta demônio! – Grita ele.


A pequena, com dor na mão, corre para um canto da sala e lá se encolhe. Henrico mais uma vez se aproxima com a Bíblia.


- Responda Charlie. Qual o seu verdadeiro nome?


A menina começa a tremer, seu corpo todo treme e ela se desliga da realidade como se não pudesse se mexer.


O padre se agacha, aproxima um crucifixo de metal bem fino de mais ou menos dez centímetros na cabeça da criança e diz com a voz baixa e calma e aos poucos aumenta o tom, sua respiração está rápida:


- Lúcifer, Akabor, Judas, Astaroth, Azazel, Belial, Belzebu, Cain, Lilith; não interessa quem você seja. Vai deixar este corpo agora mesmo e voltar para o lugar de onde veio. Eu te expulso em nome de Deus! Queime no inferno satanás!


A menina olha com os olhos marejados para o padre. Henrico fecha os olhos, buscando sua fé e reza em latim. Num movimento rápido com a mão boa, a menina rouba o crucifixo e enterra a ponta de baixo no pescoço do padre, deixando-a invertida. Francesco se assusta com a morte do padre Henrico e foge da sala, a passos lentos e cambaleados devido as feridas e, por fim, tranca a porta.


A pequena menina corre pela sala como se não tivesse coordenação motora, balança a cabeça, puxa o cabelo e no final anda em direção à maca da irmã mais velha, que tudo percebe, mas não consegue se mover, não só por estar amarrada, mas ela simplesmente diz que perdeu seus movimentos.


- Matilda, me ajuda. Não consigo me mexer. Eu sinto câimbras. Por favor – Implora a menina.


A irmã mais nova se aproxima, sobe na cama, passando por cima de seu corpo até chegar à cintura e começa a devorar a irmã, começando pelo rosto, arrancando-lhe pedaço por pedaço de sua pele. Aos gritos da irmã, finalmente a programação é cortada e sai do ar.


Uma jornalista aparece e logo reporta o ocorrido no programa. Ela aparenta estar em choque e não consegue se concentrar muito no que tem a dizer para a população e chama um comentarista para falar sobre aquele caso bizarro.


- Teria a Igreja provado naquele momento que Deus é inexistente ou simplesmente perderam o controle da situação por falta de fé? – É a pergunta feita pela jornalista.


* Charlie é um nome que se refere à brincadeira ocultista chamada Desafio do Charlie Charlie, onde se fazem perguntas de sim e não, respondidas pelo movimento de uma caneta apoiada em outra. Ainda não se sabe a origem do nome, mas dizem que o espírito causa possessões coletivas.



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