O último cliente do dia


Senti aquela mão áspera e pesada apertando meu seio direito como quem se agarra às pedras para escapar do precipício. Cada vez mais senti vontade de esbofetear e cuspir na cara daquele cretino, que enquanto me observava urrar de dor, se refestelava em cima de mim como um porco suado. Ao certo pensava que meus gritos e gemidos eram de prazer. Sentia tanta dor no peito que torcia para que ele tivesse um infarto e aquele horror tivesse um fim. Estava sonhando que caía e acordava no instante da queda ao perceber que ele atingia o seu momento de glória. O vi sacolejando as tetas de gordura e soltando um gemido grotesco. Em seguida retirou a camisinha com cuidado e correu para o banheiro. Ligou o chuveiro, assobiando e soltando peidos. Tomou uma chuveirada rápida, se vestiu e veio em minha direção. Deu um tapa na minha bunda e perguntou o que eu tinha achado da performance. Quase vomitei com a pretensão. Um sapo ruim de cama, com pinto pequeno e mais de cem quilos.- Se superou, meu querido. Está cada vez mais impetuoso.Que palavra ridícula. Quem ainda fala impetuoso? Cínica, imunda, nojenta. Jamais poderia me olhar num espelho enquanto mentia daquela forma.-Aqui está minha colaboração. Sabe que és minha preferida, não é?-Claro, meu bem. Estarei sempre à disposição para te dar muitas alegrias.Ao menos ele sempre foi cordato em relação à "colaboração". Outros falavam cachê, pagamento e até honorário. Só rindo. Tudo para enganar a si. Davam ênfase no modo de entregar o dinheiro, como se fosse uma ajuda. Tudo para disfarçar o fato de que tinham que pagar para ter uma mulher como eu. Eu é que os ajudava. Ajudava a colocarem para fora suas fantasias babacas, previsíveis, dar movimento aos seus devaneios, escutar suas lorotas e queixas, aguentar seu sexo primário e egoísta. Fingir que os amava, que gozava, que não enxergava seus rostos assombrosos.Recebi os 4000 reais do "Fofo" e me despedi com o rosto desfigurado em falsidade e admiração forçada. Quando ele saiu, descontei os 100 reais do meu segurança, o Calixto. Precaução que jamais dispensaria, em tempos de barbáries contra as mulheres. Ele recebia 100 reais a cada cliente. Era discreto, educado e com a proximidade, foi se tornando um amigo e confidente. Ele aguardava na antessala e estava à postos para qualquer eventual discussão ou desacerto. Seu papel não era só esse. Me segurava quando eu desabava e maldizia a vida que escolhi. Dócil, quieto, escutava, me dava a mão, acariciava meus cabelos e passava um café. Não conseguiria pensar num anjo da guarda melhor e mais confiável. Fazia depósitos altíssimos na minha conta, ficava em contato com somas de toda espécie e nunca, nunca me deu motivos para ter qualquer dúvida em relação ao seu caráter. Com 1,97, 140 kg, era um gorila, com a personalidade de um Golden Retriever. Quando me via chorando e vomitando de nojo, me aconselhava a parar, dizia que aquilo não era para mim. Eu me recuperava e decidida, sabia que era sim, ao menos até o momento de ver meus sonhos de vida realizados. Ou de consumo, tanto faz. Escolhi essa vida, não fui obrigada, nem era o que me restava. Eu preferi um caminho que aos olhos do mundo era fácil. Só quem abre a porta do quarto pode dizer se é fácil ou não. Algumas vezes até podia ser simples e divertido. Estar com caras ricos, bonitos e cheirosos, que me levavam para viajar e desembolsavam mais de quatro mil para ostentar minha companhia, até que era aceitável. Eram péssimos de cama, meninos mimados que foram acostumados a terem todas suas vontades satisfeitas, porém nunca deram prazer para ninguém. Tinham em mente que ter dinheiro e beleza estava de bom tamanho.Eu quase não aceitava esse tipo de convite, pois tinha medo da exposição. Ninguém sabia que eu era prostituta. Só um ser na face da terra, além dos meus clientes, sabia o que eu fazia para ganhar dinheiro, o Calixto. Atendia no meu apartamento compacto, num local privilegiado da cidade, onde ninguém bisbilhotava e fazia perguntas. Marcava o programa por telefone, nada de sites e books. Não dependia de ninguém, jamais aceitaria que me "empresariassem" e lucrassem com o meu trabalho. O que eu ganhava era só meu, e ia direto para o cofre dos sonhos. Nasci em uma família de classe média-baixa, se é que isso ainda existe. Tínhamos algum conforto e comida farta, só que meus sonhos não se encaixavam naquela realidade mesquinha. Como filha única e dona de uma beleza incomum, sempre fui o centro das atenções, amada ao extremo por meus pais e invejada por primas, amigas e vizinhas. Notava em minha volta um olhar de cobiça, raiva mal disfarçada e sorrisos pérfidos. Aprendi desde cedo a decifrar olhares traiçoeiros e amizades desleais. Tive poucas amigas e uma única verdadeira, esta última só a conheci na idade adulta.Nunca duvidei da minha vocação e interesse pela área médica. Dizia com firmeza qual profissão exerceria, mesmo com meus pais me sacudindo e esfregando na minha cara a realidade da nossa dureza. Talvez se me matasse estudando entraria numa federal. Todavia meu pai, com toda sua prática peculiar, disse que não teria como me sustentar ao longo do curso. Sabia que teria que cursar numa faculdade privada, mas com que grana? Só se fizesse programa, disse alguém, um dia, brincando. Essa brincadeira veio como um soco, pois a pessoa que "brincou", deixou claro a sua ironia. Fez questão de demonstrar que uma menina bonita como eu só servia para uma coisa. Com toda dose de peçonha contidas na sugestão, eu, lá no íntimo, sabia que não era uma hipótese descartada.Às vésperas do vestibular, me preparei com especial atenção aos pormenores. Não ao que se referia aos estudos, e sim na prática e na logística que teria que armar para viver do meu corpo, em outra cidade. Com a desculpa de conhecer a universidade, tentar um emprego, procurar apartamento, saí de casa antes do previsto. Só voltei com o circo armado, desculpas prontas e a mentira eterna decorada. Preparei os detalhes para nunca ser apanhada, para jamais cair em contradição. Coloquei na cabeça que não cairia nas armadilhas da profissão, portanto, nada de bordeis, acompanhamento na cidade, orgias, bebedeiras e drogas. O atendimento era com hora marcada, anúncio apenas em jornal. Tinha um objetivo claro e o teria em mente sempre que tentações ousassem me desviar. Pagaria minha faculdade, disso eu estava certa, cobraria alto e sem piedade. O problema estava em explicar aos meus pais como pagaria as mensalidades, livros e o meu sustento. Com a maestria de uma atriz, inventei uma bolsa conferida por uma mantenedora. Meus pais eram crédulos e acreditaram até no emprego de promotora de vendas. Deu pena. Eu, em pé, na sala onde me criei, mentindo e acreditando no meu embuste, como uma charlatã. A convicção no que eu dizia era tão grande que ninguém duvidava. Não os visitava com frequência para que não desconfiassem que possuía dinheiro. Não comprava roupas novas, andava sempre como quem anda na chia. O deslumbre era para os clientes. Para eles me ornava, usava e abusava dos cosméticos caros e de roupas provocantes.O primeiro mês foi difícil e quase passei fome. Não era conhecida, havia recém começado e não possuía contatos de poderosos. Visitei uma whiskeria chiquérrima, onde a clientela era abastada. Foi ali que dei meu vôo como meretriz de primeira grandeza. Tentei entregar discretamente meu cartão à alguns endinheirados, contudo para obter o aval da gerente, tive que entregar o cartão dela ao invés do meu. Os contatos seriam realizados através dela e seria descontada uma comissão. Aceitei a proposta, pois não poderia dispensar os ricaços, depois veria como fazer para me livrar dela.Os negócios iam bem até que um infeliz me machucou, me deixou roxa e impossibilitada de trabalhar. Chorava de dor, por estar sozinha, sem poder me apresentar daquele jeito e por não poder frequentar às aulas com aquele rosto deformado. Os únicos momentos do dia que me sentia contente. Onde fazia e aprendia aquilo que me tocava fundo e me deixava em êxtase. Ao melhorar, procurei um posto perto de onde morava. Estava tão transtornada por ajuda, que me vi contando tudo para a auxiliar de enfermagem. Sua cara de juíza aos poucos foi amolecendo e senti que se solidarizou, de alguma forma. Me encaminhou ao médico, que não fez perguntas toscas, apenas recomendou o tratamento adequado, um raio-x e alguns remédios caros. Quando saí, me senti zonza, chorei agradecida, aliviada e quase perdi os sentidos. Foi aí que o Calixto entrou na história. Ele trabalhava como vigilante terceirizado do posto, pela manhã. Me segurou antes que eu caísse, me protegeu com seus braços gigantes, porém ternos e aconchegantes. Estava tomada de sentimentos dúbios, cheia de ódio por essa vida dupla, e ao sentir seu abraço, chorei ainda mais. Segurei sua mão e pedi ajuda. Acredito que ele não entendeu, mas supôs algo e me pediu que o aguardasse ser liberado do seu turno, às duas da tarde. Combinamos de nos encontrar na lanchonete da esquina. Tomei um banho, engoli os remédios e depois de uma hora, já me sentia um pouco melhor. Quando vi Calixto tomando uma coca e me observando com aqueles olhos grandes, senti um calafrio. Aquele negro enorme abriu os braços para me chamar, e tal como um anjo barroco, parecia abrir as asas. Compreendi minha intuição como uma mensagem divina, recebi a certeza de que ele seria meu parceiro leal. Contei à ele o que havia acontecido com o cliente, abri minha alma, meus anseios e medos. Ao final do desabafo ele me fez uma proposta.-Para que isso não aconteça mais, posso ser seu segurança. Só trabalho à tarde, por causa do meu turno no posto. Quero 100 reais por cliente.Me controlei para não gargalhar. Ele não imaginava o quanto eu faturava e quantos clientes atendia. Não o contrariei, pois tinha consciência que não estava o explorando. Em média, ele receberia uns 500 contos por dia. Chegaria a dez mil por mês. Sua vida também não seria mais a mesma.Desde aquele dia, nos tornamos cúmplices, companheiros. Me sinto protegida e amada por ele e sua família, que sabem que sou sua chefe, mas não imaginam, por imposição minha, o que eu faço.Ao sustentar uma mentira, desenvolvi mal-estares e diversas revoltas no estômago. Emoções contraditórias que se transformaram em gastrite. Existem situações que aumentam as crises, como as visitas à minha cidade natal. Meu pai está ficando cada dia mais retrógrado e paranóico. De forma contínua, se auto-proclama "cidadão de bem", vocifera impropérios contra os mais humildes, se refere à todos como corja, sanguessugas, vagabundos. Destrói qualquer diálogo ou brincadeira com sermões moralistas ou com o manjado: "Agora tá tudo trocado, há uma inversão de valores" e enche a boca falando mal de tudo o que não entende ou que, na visão dele, ameaça a família. Um porre. Não entro em atrito porque ele é do tipo que começa a gritar quando alguém o contraria e taxa de burro quem não compactua com suas intenções políticas. Me dá pena. Olho para minha mãe, tão dedicada àquela vida medíocre, suburbana, sem viajar, sem conhecer nada. Ela diz amar sua vidinha, mas se entope de tarja preta e à qualquer pretexto, enche a cara. Ninguém percebe, ela não dá muita pinta, porém percebo ela entornar uma atrás da outra. Aprendi a ler o olhar e o sorriso das pessoas. Ela gargalha demais, acha graça de tudo e não contraria ninguém. Dentro de si carrega um mar de abandono emocional.Me senti uma total estranha nesta mais recente visita. Não me reconheci como integrante da família. Todo aquele pensamento torto, piadas racistas e o desprezo pelas classes inferiores me pegou desprevenida. Conhecia meus pais, todavia eles eram mais discretos em relação aos seus preconceitos. Agora sentiam orgulho em ostentar tanta intolerância. Saí um dia antes. Inventei outra mentira sobre provas e escapei daquela cena bronca. Na semana seguinte atendi um cliente que quase me fez desistir de tudo. Vi que ele parecia transbordar, portando um volume gigantesco entre as pernas. Fiquei admirada e um pouco receosa. Queria ficar de abraços e beijos, sem parar. Imagina beijar um completo desconhecido por tempo indeterminado e com a gastrite atacando. Lembrei-o da hora discretamente, no que ele respondeu, seco:-Estou pagando, posso ficar o tempo que quiser.-Nosso combinado foi de uma hora.-Eu posso pagar duas, se quiser.-OkE deu início à carícias estranhas, pedidos inconvenientes, como chupar os dedos dos pés, beijar as axilas, morder aqui e ali. Na tentativa de encurtar aquela chatice fui pegando naquele que parecia ser um pênis gigante. Ele torceu meu braço e deu um berro:-Não toca aí, porra.Confesso que já vi muitas aberrações, gente louca e cretina, no entanto, esse aí tinha alguns parafusos soltos. Bati na porta e o Calixto interveio. Ele se desculpou e pediu mais alguns instantes comigo. Concordei com a cabeça. Cobrava quatro mil a hora, e quase fechavam-se duas horas. Não poderia perder tanto dinheiro.O sujeito insistia em ficar só beijando, e nesses beijos quase me engolia, me sugava, me mordia, nada mais cansativo. Passei a mão pelas suas costas e ao perceber que elas desciam, ele as segurou e não deixou que eu o apalpasse. Calixto bateu na porta e suas duas maçantes horas encerraram. O estranho pediu para ocupar o banheiro e não me contive. Espiei pelo buraco da fechadura. Como ele não havia tirado a roupa durante o encontro e parecia exibir um membro fenomenal, não suportei a ideia de deixar de comprovar. Foi quando enxerguei o improvável, algo que ainda não tinha visto, nem tocado; um exuberante pé de meia, preenchido com algum material que lhe deu volume. Pirei. Não estava conseguindo me conter e não iria segurar a risada. Saí do quarto e corri porta a fora. Mandei o Calixto fazer o acerto. Depois de passada a crise de riso, tive um acesso de piedade pelo disfarce do rapaz. Foi uma das cenas mais ridículas que me deparei. Recomendei ao Calixto que o avisasse que não o atenderia novamente. O tempo e a rotina passaram com crueldade. Me vi em situações constrangedoras e rudes. Aguentei firme, pois logo daria adeus a esse fardo, taxado de "vida fácil". Prestes a me formar e encerrar minha residência, eu já era outra mulher. Acumulara um bom pé-de-meia e meu modo de enxergar a vida e a índole das pessoas era totalmente novo. Amadureci muito através desta profissão temporária, engoli choros, náuseas, dores, vergonhas, tapas na cara, humilhações e estranhezas que talvez só quem siga nesta mesma ocupação poderia supor.Estava sentada na namoradeira da varanda, bebendo o café do Calixto, descansando e esperando o último cliente da tarde. Pensava que felizmente esse período da minha vida chegava ao fim e lembraria dele apenas como um aprendizado, sem carinho e sem saudade. A única boa recordação seria a amizade do meu mais fiel servidor. Calixto lembrou, mais uma vez, que o programa seria em dez minutos. Tomei uma ducha e coloquei um baby doll vermelho, por sugestão do cliente. Tal senhor quase foi dispensado ao telefone pelo Calixto, pois pechinchou o cachê. Nunca houve esse tipo de imprevisto e inconveniente antes. Não negocio valores abaixo do meu padrão, somente acima. Entretanto, naquele dia, Calixto estava radiante com o bônus natalino que lhe concedi e não desligou o telefone ao perceber o sinal de negociação.-Senhor, o valor mínimo é quatro mil, ok? O senhor está disposto a pagar? Se não, tenha um bom dia!-Certo, certo. É uma fortuna. Estou na cidade apenas para visitar minha filha. Não pensei em gastar tanto dinheiro.-Acertamos o encontro, senhor?-Sim, se é tão caro dever ser muito bom.E este então seria meu último programa antes do Natal, depois estava liberada para curtir o final de ano, viajar, dar uma chance a mim mesma e me enxergar com olhos de verdade.Estava pronta. Ao recebê-lo na sala, dei um salto para trás. Dei um grito, um soco na porta, proferi uma série de palavrões e choros de histerismo. Ele não disse uma palavra. Olhou para minha fantasia de puta e foi caindo no sofá. Aquele homem alto, forte, foi se esvaindo, foi sendo sugado e desaparecendo em profunda decepção. Nunca o vi chorar, esta foi a primeira vez. Jamais vou me recuperar daquele olhar lançado em minha direção. O que ele sentiu? Raiva, culpa, decepção, tristeza? O choro incontido revelou que sentia tudo isso e mais. Sentia vergonha pela hipocrisia em se travestir de cidadão de bem e trair minha mãe dessa forma vil, torrando um dinheiro que certamente serviria para dar a ela um pouco de alegria, uma viagem, um cruzeiro, um banho de loja. Sentia-me trêmula da cabeça aos pés e minha voz não saía com a entonação que eu queria. Falava de forma esganiçada. Olhei para ele, primeiro com vergonha, humilhada, e depois raiva e nojo. Ele era um maldito hipócrita, mentiroso, que esfregava a sua santidade na cara de qualquer pessoa. Ninguém estava à sua altura, todo sinal de vida era pecado, qualquer diversão era para destruir a moralidade das famílias de bem. Minha vontade era dar na cara dele, socar bastante aquele rosto depravado e enrustido. Tive pena, tive asco. Lembrei que eu o esperava para passear pelo campus, jantar fora e assistir algumas apresentações natalinas. O que seria um belo momento entre pai e filha, se transformou num pesadelo vulgar e cafona. Chamei o Calixto, que já estava preocupado com a gritaria e choradeira.-Coloque este senhor pra fora.Esta foi a única frase que saiu da minha boca. Não foi preciso nenhum combinado, nenhum olhar de compaixão. Ambos sabíamos que este segredo seria guardado até a morte. Minha mãe não merecia tamanha traição e deslealdade. A verdade só a destruiria. Quando meu pai finalmente desapareceu, chorei em silêncio por muito tempo. Dispensei o segurança e fiquei só, por dias. Minha formatura, tão planejada e almejada, virou um evento pequeno, onde somente minha mãe compareceu. Meu pai, que agora descobri ser um mentiroso descarado, inventou uma doença e não foi. Comemorei com a família do Calixto e minha mãe. Nunca mais chorei por este fato e forçava minha mente para não relembrar daquele dia. Mudei para uma cidade bem longe daquela onde "fiz a vida". Meu amigo e companheiro de jornada relutou em me acompanhar. Era apegado à sua terra natal, às amizades, à sua rotina, porém praticamente implorei de joelhos que me seguisse. Contei com a valiosa ajuda de sua esposa e prometi empregar à todos. Outra batalha seria levar comigo a minha mãe, esta bem mais árdua e penosa, pois tinha certeza que meu pai não permitiria. Depois de um longo período, ele me procurou e ameaçou contar tudo à ela, caso eu insistisse em levá-la comigo. Fui firme, não cedi à pressão do covarde e disse que poderia contar, se quisesse. Já não tinha mais medo. Ele se recolheu, tornou a me olhar com aqueles olhos de dor e saiu sem dizer ou prometer mais nada. Estava encerrado para nós dois. Minha mãe o deixou, sem muita relutância, porém com tristeza, não por ir embora, e sim por perceber que investiu anos de amor, entrega e renúncia em alguém que não a amava e nem a respeitava. Hoje noto a mulher que desabrochou depois dessa ruptura. Alegre, sem comprimidos, sem bebida, moderna, bem vestida. Aprendeu a dirigir e a usar a internet. Nunca fomos tão parceiras e amigas. Há dias em que desconfio que ela sabe de toda verdade, pois me olha com ternura e em seguida corre uma lágrima no seu rosto. Ela disfarça, contudo sei que naquele momento, ela lembra do que fui, do que fiz para chegar até aqui. Não queria causar esse tipo de sofrimento, por isso me calo sobre isso e tento fazê-la feliz. Decidi deixar esse segredo em paz e enterrá-lo sem dó.Vi todos meu sonhos concretizados, a compra da minha casa, a inauguração da minha clínica particular, só para endinheirados. Aprendi com o métier que é preciso exigir um padrão especial de clientes para poder chegar à meta almejada. Me especializei em obstetrícia, meu principal objetivo desde o início de tudo. De forma gratuita, atendo mulheres carentes num dia na semana. Dedico à elas o mesmo conforto, cuidado e atenção que dedico às ricas. Este é o dia mais gratificante da semana, torno pessoas felizes, as satisfaço, as torno confiantes, as faço acreditar que terão o melhor acompanhamento que poderiam sonhar, e tudo isso, sem cobrar um centavo.

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