Capítulo 1

— O senhor gostaria de mais alguma coisa? — perguntou a garçonete de quarenta e poucos anos com forte sotaque.


— Não, senhora. Obrigado.


— Mas comeu tão pouco. Olha que vida no sertão não é fácil, viu? Quando esquentar o sol de meio-dia o senhor vai suar igual a cuscuz e vai sentir fraqueza.


— Pode ficar tranquila que eu já estou acostumado a comer pouco.


A garçonete abriu um sorriso simpático e recolheu o prato com alguns restos de bolo de cenoura e a xícara que antes estava cheia de café preto. Romero então se levantou e recebeu logo um raio de sol no rosto que o fez se proteger com a mão instintivamente, bloqueando a luz que marcava o início de mais uma manhã. Um pouco desanimado de ter que se encontrar com o prefeito daquela pequena cidade, já imaginando o rumo que as conversas tomariam e o desgaste mental de ter que aguentar toda politicagem que ele sempre odiou, mas era obrigado a relações como essa.


Um urubu pousou do outro lado da rua em cima dos paralelepípedos, caminhando com suas pequenas pernas como se fosse uma pessoa. Talvez cansado de voar atrás de carniça, resolveu procurar alimento nos restos de espetinhos e sanduíches deixados no dia anterior pelos moradores preguiçosos demais para encontrar alguma lixeira. "Não vejo nenhuma lixeira por aqui", pensou Romero, criando mais um motivo para odiar o prefeito que ainda não conhecia pessoalmente. As conversas do começo da semana por telefone foram extensas, procurando saber como chegaria naquela cidade, qual seria o melhor caminho e quais seriam as adversidades que encontraria para começar a construção.


Caminhou ao longo das ruas largas por não mais que dez minutos até encontrar a prefeitura, observando sempre as pessoas daquela cidade pequena nas portas das suas casas fazendo seus afazeres domésticos. No caminho, percebeu algo que só tinha ouvido de histórias antigas que seu avô contava sobre a vida no interior: o costume dos moradores de tomar café nas casas dos vizinhos. Um homem e uma mulher conversavam enquanto uma segunda trazia garrafa térmica para encher os copos de vidro que os outros seguravam. Todos apresentavam feições felizes e abriam largos sorrisos vez ou outra. Romero deu bom dia ao passar, e todos responderam gentilmente.


— O senhor aceita café? — perguntou a mulher mais idosa que segurava a garrafa térmica.


— Acabei de tomar, senhora. Muito obrigado.


— Disponha, meu jovem.


O rapaz acenou com a cabeça, e Romero respondeu da mesma forma, seguindo seu caminho até a reunião com o prefeito que estava marcada para as oito horas. Normalmente, ele sempre chegava antes do horário marcado nos compromissos por considerar a pontualidade algo muito importante, mas, dessa vez, o motivo de sua chegada de mais de trinta minutos de antecedência foi não ter conseguido dormir muito bem na noite anterior. Sua rinite não aguentou a mudança repentina de clima da sua cidade natal para uma cidade que fazia 16º C durante a noite, 7º a menos do que estava acostumado. Mesmo o cansaço de ter feito 600km em mais de dez horas de estrada não foi o suficiente para que ele tivesse uma noite bem dormida, acordando diversas vezes com suas próprias tosses. Assim que a reunião com o prefeito acabasse ele iria direto a alguma farmácia comprar antialérgicos.


Apesar da noite fria, o sol já começava a esquentar os fios pretos do cabelo de Romero e prometia esquentar muito mais até sua força máxima ao meio-dia. O problema de estar em uma cidade tão seca e afastada do oceano era a grande variação térmica diária: muito frio à noite e muito calor durante o dia. As primeiras gotas de suor já começavam a descer pela sua camisa polo de algodão, mas a rota até a prefeitura tinha finalmente chegado ao fim.


Um prédio azul de dois andares com os dizeres "Prefeitura Municipal de Poções" pintados de azul bem no topo. Um jovem com boas feições, porém bastante desajeitado, foi o primeiro a receber o viajante, dando-lhe as boas-vindas assim que o homem de óculos redondos se apresentou como Romero Vilas Boas, o Engenheiro contratado pela prefeitura para gerenciar as obras após licitação.


— Sente-se, por favor — disse o jovem. — O senhor gostaria de beber alguma coisa? Cafezinho? Água?


— Um copo d'água cairia bem, obrigado — respondeu Romero assim que se sentou em uma cadeira com encosto baixo e desconfortável a ponto de ter vontade de levantar novamente, mas preferiu descansar um pouco as pernas que já não eram mais tão fortes como antigamente. Ele se lembra como se fosse no dia anterior, mas já havia passado mais de dois anos que tivera que fazer uma cirurgia no joelho esquerdo e, depois disso, nunca mais conseguiu andar perfeitamente ou praticar exercícios físicos que não fossem leves.


— O prefeito já está vindo — disse o jovem com um copo d'água tão gelado que já começava a condensar as gotículas em sua superfície externa.


— Obrigado, garoto — respondeu Romero ao pegar o copo em suas mãos e tomar o primeiro gole. — Como você se chama mesmo?


— Como sou desajeitado, não me apresentei. Meu nome é Joanes, sou o secretário do prefeito.


— Um nome diferente, Joanes. É por causa do rio?


— Qual rio? — disse o jovem parecendo mais confuso do que nunca.


Um barulho de dobradiças rangendo foi ouvido atrás de Romero, que logo se virou para observar o que estava acontecendo. Um homem negro de estatura mediana e chapéu branco entrava na prefeitura vestindo uma camisa quadriculada e calça jeans sustentada por um grande cinto com fivela dourada. Os cabelos do seu peito chamavam atenção escapando pelos dois botões abertos no topo da camisa.


— Bom dia, senhor prefeito — disse Joanes cordialmente. — Esse é o Engenheiro de Salvador.


— Doutor Romero, achei que o senhor chegaria um pouco mais tarde — disse o prefeito, erguendo a mão para cumprimentar o visitante.


— Tenho essa mania de chegar cedo demais nos lugares — respondeu Romero bem-humorado ao se levantar da cadeira e apertar a mão do prefeito.


— É um prazer ter a presença ilustre do senhor Doutor aqui na nossa humilde prefeitura. Menino — disse o prefeito mudando de tom e se dirigindo a Joanes — , vá buscar um café para o Doutor Romero.


O jovem então saiu apressado sem saber se o visitante queria mesmo o café ou não. Aquela não foi uma primeira boa impressão para Romero, que via um lado autoritário do homem que, com ele, fora sempre gentil nas ligações, mas, mesmo assim, ele, acima de tudo, era um político, como pensou o Engenheiro.


— Cidade bastante agradável, senhor Eurípedes. O povo aqui é muito hospitaleiro, gostei disso.


— Que bom que gostou, Doutor. Nos próximos dias vou te levar para conhecer minha fazenda e a dona primeira-dama. Fica a vinte minutos daqui da prefeitura de caminhonete, é pertinho.


— Será um prazer, meu caro.


A troca de palavras bondosas era fácil para Romero, já acostumado a lidar com políticos o tempo todo e com pessoas que não gostava nem um pouco. Por dentro, ele só queria acabar com aquela reunião para poder começar a trabalhar e sair o quanto antes daquela cidade que até agora só tinha lhe trazido o possível início de um resfriado.


Joanes então voltou e colocou sobre a mesa uma garrafa térmica e uma xícara, enchendo-a com café preto a seguir. Romero ainda conseguia sentir na boca o gosto do outro que tinha tomado há alguns minutos, mas não recusou mais uma xícara para não fazer desfeita. O rapaz pareceu feliz que o visitante tenha aceitado de bom grado o café que havia preparado, assim como o faz todas as manhãs para agradar ao prefeito Eurípedes Marinho e aos outros funcionários da prefeitura.


— O dia promete — falou o prefeito de súbito. — Vamos para minha sala conversar sobre progresso, Doutor Romero.

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