Capítulo 11

Ir até o centro da cidade de carro nunca é uma boa opção, não há lugar para estacionar direito e é cansativo demais ter que ficar procurando vaga, então decido ir de ônibus. As linhas operacionais mudaram desde a última vez que me lembro, tive que baixar um aplicativo chamado Moovit para me ajudar a saber qual ônibus pegar.

Deixo que Sina se sente no banco ao lado da janela para aproveitar a vista, o trânsito está bem movimento para uma tarde de segunda, mas as sextas-feiras são duas vezes pior.

Dois ônibus depois, conseguimos descer no ponto próximo à Praça. Primeiro vamos ao Museu das Minas e do Metal, por ser entrada franca, apenas deixamos nossas coisas no guarda volumes e seguimos para o prédio rosa. Logo de início nos deparamos com o modismo Neoclássico no interior do Museu, os olhos de Sina brilham ao ver as pilastras marmorizadas.

Damos uma volta e lemos algumas informações a respeito do meticuloso trabalho feito pelo arquiteto que construiu o Museu. Seguimos para a Sala das Minas, ao qual um elevador nos leva ás profundezas da Mina do Morro Velho.

Sina tira foto das lunetas espalhadas pelo Chão de Estrelas e se maravilha com cada detalhe sobre o minério. Paramos para observar o processo de fusões de metais e logo em seguida vamos para o inventário mineral, tiro algumas fotos de nós duas pelo local, tomo o cuidado de sempre verificar se o flash está desligado antes de tirar a próxima foto. Não quero tomar uma multa por um descuido meu.

Por fim, caminhamos para a parte onde lemos a respeito da importância do metal para a humanidade, criamos compostos em uma tabela periódica e até mesmo medimos a quantidade de metal que contém em nossos corpos.

— Isso foi incrível. - Diz Sina depois que saímos do Museu. — Quanta riqueza em apenas um só lugar.

— E tem mais. - Olho para meu relógio de pulso — Que tal irmos ao planetário? Depois podemos descer até o Shopping e comer algo.

— Claro.

Deixamos nossas coisas no guarda volumes novamente e pagamos nossas entradas, por sorte conseguimos chegar a tempo e pegamos a sessão comentada sobre a Lua e o Zodíaco. Entramos no elevador para subir até o quinto andar, escolhemos as cadeiras na sexta fileira, o que nos dá uma ótima visão do espaço no geral, as luzes se apagam e todo o ambiente é iluminado pelo céu estrelado.

— Que lindo! - Sina sussurra em meu ouvido.

— Boa tarde a todos. - Diz o comentarista. — Serei o guia de vocês hoje para uma das sessões que mais gosto. Falaremos sobre a Lua e o Zodíaco, alguém pode me dizer aproximadamente quanto tempo a lua demora para nascer?

— Eu sei!! Eu sei!!! - Grita uma criança. —Ela nasce 40 minutos mais tarde de um dia para o outro.

— Muito bem. E você sabe o motivo?

— Porque ela quis, uai.

As pessoas que compõem o espaço riem da resposta da criança. O comentarista segue falando sobre o ciclo lunar e o reconhecimento das constelações, o jogo de perguntas e resposta feitas para descobrirmos as constelações me tirou muitas risadas. Sina demonstrou bastante conhecimento a respeito, apesar de o comentarista ter que se envolver duas vezes quando ela começou uma discussão com a criança que respondeu a primeira pergunta.

Deixamos o planetário por volta de seis e meia da tarde, caminhamos em silêncio pela praça admirando o paisagismo arquitetônico.

— Podemos nos sentar um pouco? Pergunta Sina.

— Claro.

Nos sentamos em um banco próximo.

Sorrio ao ver vários cachorros correndo pela grama

— Obrigada por me trazer aqui. - Sina cruza as pernas. — É a primeira vez que me divirto assim.

— Você não costuma fazer isso?

— Não é isso. Nossos olhos se encontram. Eu fico muito ocupada por conta da faculdade. Foi como disse, era para ser um trabalho esporádico, mas comecei a precisar do dinheiro.

— O que você cursa?

— Medicina, - Diz sorrindo — Mas o gasto não é tanto por conta disso, ganhei 90% de bolsa.

— Então...

— Meus pais eram pessoas muito religiosas. Na verdade... são pessoas muito religiosas, vivi uma boa parte da minha infância me dedicando a igreja, cantava, tocava... essas coisas toda. Mas sempre tinha algo que me incomodava.

Penso em perguntar algo, mas reprimo essa vontade.

— Eu me julgava por ser lésbica. Ás vezes rezava para Deus e questionava o motivo disso tudo. Por que eu sentia vontade de beijar outras garotas? O que tinha de errado comigo? - Ela balança a cabeça — Quando meus pais descobriram, me colocaram para fora de casa, vivi muito tempo com a minha avó até ela falecer. Depois disso, tive que dar um jeito de criar um sustento, foi tranquilo no início, mas então meu pai apareceu e me contou que minha mãe desenvolveu câncer e que aquilo era um castigo divino por ter uma filha igual a mim.

Aproximo-me de Sina, sinto uma vontade enorme de confortá-la, de poder lhe dizer coisas e afastar os seus medos. É estranho sentir tudo isso, ainda mais por alguém que conheci a poucos dias.

Alguém que eu contratei.

— Isso não é culpa sua. - Seguro a sua mão.

— Eu sei. - Sina deita a cabeça em meu ombro. — Sinceramente não ligo muito para isso... ele me pediu ajuda, nunca na minha vida vi meu pai ajoelhar e pedir algo, mas ele o fez. Não pediu desculpas pelo ocorrido ou qualquer outra coisa, dentre os dois irmãos que tenho, ele veio atrás de mim. Eu fiquei me questionando o motivo, mas depois deixei de lado. É por isso que estou trabalhando nisso, para ajudar nas despesas.

— Se eu tivesse me recusado a te aceitar para trabalhar, o que aconteceria?

— O dinheiro seria devolvido. Porra, eu fiquei com tanto medo de ser despachada, preciso do dinheiro. - Levanta a cabeça para me olhar. — Fico feliz que não tenha dito que queria um homem.

— Agradeça por eu estar bêbada no dia em que liguei para a agência. - Solto um riso contido.

— Eu agradeço... fiquei com receio de se sentir incomodada por ter que fingir algo comigo.

— Por que ficaria?

— Bom, mulher... Lésbica.

— Não tenho preconceito quanto a isso. - Dou de ombros. — Como posso julgar alguém por ser quem é?

— Queria que todas as pessoas pensassem assim também. Qual o motivo da ignorância e do preconceito para algo tão simples quanto o amor?

— Gostaria de ter todas essas respostas, mas não tenho. - Levanto-me. — A única certeza que
tenho é que o mundo está mudando e temos que nos agarrar ao fato de que essa mudança sempre deve vir para o melhor. - Estendo minha mão. — Vamos comer?

— Claro, amor. - Sina sorri.

Ao ouvir essa frase meu coração bate mais rápido que o normal.

☆☆☆

Demos uma volta pelo Shopping, assim que terminamos de comer. Olhamos algumas roupas, decidi comprar dois macacões pantalona, um preto e outro vermelho, ficaram perfeitos em mim e modelou perfeitamente o meu corpo. Não poderia deixar passar essa oportunidade.

Sina comprou uma blusa preta com gola V e uma calça jeans, ponderamos sobre comprar um sorvete, mas desistimos e fomos até a cabine do Move para ir embora. Tentei evitar o máximo possível o horário de pico, mas mesmo sendo oito e meia da noite, o ônibus estava lotado.

Minha acompanhante está escorada na porta, ela digitou algo rapidamente no celular e suspirou. Pergunto-me o que deve ser e o que está passando por sua cabeça.

O ônibus passa por um quebra-molas e me agarro a barra de ferro do ônibus, Sina levanta os olhos para mim e sorri. Devolvo o sorriso antes que ela abaixe a cabeça novamente para olhar o celular. Sinto alguém atrás de mim se mexendo e me assusto quando toca a minha bunda. Meu desconforto foi tão evidente que uma moça ao meu lado nota o que está acontecendo e fecha a cara, ela tenta ir para o lado para me dar espaço para me desvencilhar, mas não consigo.

A moça limpa a garganta tentando sinalizar para qualquer pessoa ao redor ver o que está acontecendo, tento novamente me desvencilhar do toque quando sinto a mão de Sina em meu braço e me puxando para perto de si.

— Ô Idiota, será que dá pra parar de passar a mão na bunda da minha namorada?!

Todos ao redor procuram a fonte da voz e até mesmo entender o que está acontecendo, olho para trás e vejo um homem calvo, mais ou menos nas casa dos 30 anos. Seu rosto está vermelho por ter sigo pego, a moça que tentou me ajudar suspira de alívio.

Sina saca rápido seu celular e tira uma foto do homem, ele aproveita que as portas do ônibus estão abertas e saí.

— É melhor sair mesmo, babaca. Vou te denunciar. - Sina grita com o miserável que some entre a multidão do lado de fora do ônibus.

Sina me coloca contra a porta, ao qual estava minutos atrás e protege meu corpo com o seu, levanto minha cabeça para olhar seu rosto e a vejo com a testa franzida.

— Você está bem? - Sina me pergunta.

Confirmo com a cabeça. Tenho receio de que se eu der qualquer passo em falso ou falar qualquer coisa a farei se afastar de mim. Nossos corpos estão muito próximos, meu rosto a centímetros do seu, tento acalmar meu coração e me pergunto se Sina consegue escutar as suas batidas frenéticas, como se ele quisesse sair do meu corpo.

Paramos na próxima cabine, com muita insistência fomos até uma delegacia próxima fazer um boletim, Sina mostrou a foto do homem e eu descrevi o que aconteceu. Os policiais explicam que isso é classificado como importunação sexual e que devo aguardar maiores informações futuramente.

— Temos uma testemunha ocular. - Diz um dos policiais. — Ligaremos em breve para dar notícias, até lá, entre em contato com o seu advogado. Gostariam de companhia até o Uber chegar?

— Não. - Respondo. — Agradeço a sua ajuda.

— Só estou fazendo o meu trabalho, senhorita.

— Não demora para que o Uber chegue e durante todo o trajeto fico em silêncio. Antes de abrir o portão de casa, espero que Sina se aproxime antes de dizer:

— Não diga nada aos meus pais.

— Por quê? - Sina franze a testa.

Porque não quero que se preocupem com isso. Amanhã resolverei a questão do advogado, mas prefiro manter isso só entre nós duas.

— Tudo bem.

— E... Obrigada.

— Não foi nada, amor.

Reviro meus olhos e abro o portão. Vovó já estava dormindo quando chegamos, e apesar de meus pais estarem assistindo a um programa qualquer na tv, eles querem saber como foi o nosso dia.

— Sina não parou de reclamar de cansaço.

— Mas que mentira!

— Está tudo bem, amor - Dou batidinhas em seu ombro — Não precisa fingir aqui, estamos entre familia.

— Eu não estava cansada. - Sina me fuzila com o olhar.

— Ela pode ser super linda assim, mas tem quase quarenta anos. - Olho para os meus pais. — Não se deixem enganar.

Papai urra de tanto rir, minha mãe balança a cabeça com um pequeno sorriso nos lábios.

— Agora você me irritou.

Subo as escadas correndo, nem me importo em deixar minhas sacolas e bolsa jogadas no chão da sala. Consigo abrir a porta do quarto antes de sentir as mãos de Sina em minha cintura me fazendo cócegas.

— Pare! - Gargalho.

— Eu sou velha, né. Vou te mostrar.

Grito um pouco mais quando minha acompanhante aperta minha cintura, caímos na cama e choro de tanto rir. Sinto o corpo de Sina sobre mim e cada centímetro de minha pele fica em alerta.

— Tudo bem, eu desisto!

— Você é fraca, lhe falta ódio. - Sina para de me fazer cócegas.

— Oi?

— Sua prima quem falou isso para mim, também não entendi. - Sina retira uma mecha de cabelo do meu rosto. — Tem certeza de que está bem?

— Eu tenho, de verdade. É uma merda, claro, mas eu estou bem. O filho da puta vai ser preso e eu vou continuar linda e maravilhosa, como sempre.

— Tudo bem. - Suas mãos acariciam meu rosto. — Sinto muito por hoje.

— Eu estou bem.

— Quase fui atrás dele. - Seus olhos me avaliam — Eu só... Quero cuidar de você.

Sina aproxima e beija minha testa. Uma promessa não dita a nós duas. Não percebo que segurei minha respiração até vê-la se afastar.

— Eu vou buscar as nossas coisas.

Ela fecha a porta atrás de si e me sento na cama. Fecho meus olhos e tento manter minha respiração controlada, ouço um zumbido no meu ouvido que me deixa totalmente inquieta.

Que porra tá acontecendo?

Levanto e vou direto para o banheiro, preciso de um banho. Foi um dia longo e maravilhoso apesar do acontecimento no ônibus, jogo água no meu rosto duas vezes antes de me olhar no espelho.

As maçãs do meu rosto estão levemente avermelhadas, ouço a porta do quarto se abrir e fechar, Sina está com alguém no telefone, o som de sua risada reverbera por todo o meu corpo.

Ao ouvi-la dizer que está tudo bem com o serviço e que está adorando Daejeon, volto a realidade de que ela é apenas alguém que contratei para fazer algo.

Sina é apenas minha acompanhante. Preciso me lembrar desse fato antes que seja tarde demais.

★★★
FELIZ MÊS DO ORGULHO LÉSBICO MEUS AMORES 💋💋💋

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