JOGO ESTRANHO





Amor, fiz sua casa no outro.


Em verdade renunciei sua identidade.


Quis apenas no ínfimo espaço


fundir nossas penas, iludir-me.


Sem resistência imitar-te.


Mas reparo suas diferenças.


A preferência ao frio humano


E nas coisas mais frias ainda


recolher-se e negar-se.


Nívea flor com que me iludi,


pensei-te fogo,


e nem luz tinhas.


Fiz caso de ti sem perceber


teu asco, sem notar


que te faltava carne,


substância, matéria.


Denuncio-te na esperança


de que outros acordem.


Mas reconheço ser infalível tua estratégia.


Primeiro alienar,


depois dar receitas de razão


sem lógica. Posto na paixão tudo se apaga.


É inacessível a saída.


Estamos todos á mercê de tua regra:


A casa no outro, o esconderijo em nós.


Não mereci a desistência,


não tentei a fuga,


mas tua presença mesmo


é o dissipar de qualquer busca.


Olhar-te é perder-se em símbolos.


Recolhi em ti meus mapas


e não indicam mais o caminho.


Fosse possível transitar este abismo


e te colar um beijo na testa,


fosse possível ofertar uma palavra


doce ao ouvido


que te restaurasse a doçura,


fosse possível amansar-te


e te ocultar nas palavras.


Mas tudo tornou-se impossível,


sobretudo o diálogo.


Todos os pássaros migraram.


Amor, fiz tua prisão no outro.


Quisera transformar as ilhas,


propor pontes gigantescas


na cumplicidade de nossos segredos.


Mas tudo que consegui


foi um jogo estranho,


doisderrotados sem empate.    



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