Eu espero o amor que desperta
os olhos e adormece o peito.
Não este que recordo,
agressivo leito.
Eu espero o amor de carne
e verdade e outra substância
que ora provamos efêmera:
nuvem, sono.
Eu quero o amor dos meninos,
sem violência experimentá-lo,
sem bússola, sem nave.
Não este que passou
dragão voraz dentro.
Eu quero o amor que nos leva,
que transcende o tempo
e inventa o diálogo no deserto
novos acenos de vida
e novos meios de morrer
nos braços alheios.
Eu espero o amor que cura.
Medicina da alma com olhos imensos
a um toque profundíssimo,
limpar fígado e coração.
Não este nocivo
que outrora consumimos.
Eu quero o que dê colo,
e útero, e mãos grávidas
tecendo o desejo
e desvendando na caverna de nós
o mais terrível segredo.
Ah eu espero o amor de fogo,
o que exala perfume no medo.
Não o de nosso par reticente,
o gelo cobrindo a alma,
monstro de resignação e mágoa.
Eu quero o amor que desperta cedo,
o que faz café,
o que tem poder de dividir,
de somar e de propor enigmas.
Eu quero o amor que detém
cinquenta por cento
do outro na pele.
Eu espero o amor que é cego,
nosso guia e ponte.
Que nos indica o caminho,
e inventa outros mais perfeitos.
No meio do vento ou do ouro,
ou do cimento ou do pelo.
Não o amor das fábulas,
nem dos filmes, das negações eternas,
e fugas e selos.
Eu quero o amor mais justo,
nenhum castelo nos planos,
nem um deserto
ou o amor ufano.
Eu quero o amor mais simples.
Na sua presença ao menos um minuto gozá-lo
e sabê-lo eterno.