À Adálio Albuquerque Cavalcanti
A mão de meu pai
passeia pela casa
ávida de qualquer contato humano,
posto não ser de carne mais o carinho.
Me busca como quisesse marcar novo encontro
com suas veias grossas e seus calos
e cicatrizes que decerto tardei em perceber.
Como também tardei em perceber
sua soturna despedida
quando obrigou-me o beijo na face e o riso.
É irrevogável o sentimento de perda.
Em verdade tudo ficou irremediável,
sua ausência na festa,
na vinda do seu primeiro neto,
no meu pesadelo, no meu desespero,
no instante em que pranteamos nosso pecado
absoluto na noite, arrependidos.
Sua mão agora tem asas brancas,
jurisprudência, esquecimento,
fortes sinais de abandono.
Dói feito faca, dentro.
Amor, que venenoso é seu o gosto
composto remorso-saudade.
Deixo enfim que me alcance
para me conduzir
à paz de céu nordestino
e se revelar em mim
olhos de criança
em face adulta,
seu retrato,
seu espelho.
Chave e arma que jamais obtiveram
êxito em seu ofício.
Que angustia sua mão não me atingir antes,
não ferir a minha alma,
não provocar em mim nenhum arrepio,
não me indicar nada,
nada me ensinar,
nada interromper.
Antes, sua mão, meu pai,
é trêmula,
sua mão esquiva-se,
e falha
como a que agora,
ferro e fogo, conta a história,
e basta para que na noite me abale.
Não com violência,
nem força,
a mão vacila
porque simplesmente arrisca um carinho
e não consegue.